quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Fluxos migratórios do novo mundo

Faz tempo, não é? Não, o blog não morreu (espero). Apenas uma vítima colateral da minha desorganização temporal ;)

Mas, vamos lá!

No outro dia fui à “feira dos importados”, aqui em Brasília. Já não ia lá há muito tempo e encontrei uma nova realidade. Venho notando com o tempo que os “mercados populares” são um bom barômetro dos fluxos migratórios de um país. Pelo menos os “entrantes”. Quando cheguei a Brasília, há quase 7 anos atrás, havia um uma predominância de lojas mantidas por brasileiros de diversas regiões. O outro pedaço era interessantemente ocupado pelo que me pareciam ser libaneses ou tunisinos. Ou talvez turcos. Estes, normalmente eram donos das lojas de informática. Um pedaço menor era chinês. Bem menor.

Desta vez encontrei um cenário totalmente diferente. Chineses por todo o lado. Os norte-africanos parecem ter desaparecido e os brasileiros resistem bravamente.

Lembrei-me de Lisboa, da avenida almirante Reis á praça do Martim Moniz. Quando eu morava lá, as lojas da avenida pertenciam a portugueses e indianos, enquanto os dois “shoppings” estava majoritariamente ocupados pelas ex-colonias africanas – Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, essencialmente. Hoje esse panorama também mudou muito. Durante um momento, a imigração dos países eslavos tentou entrar nesse mercado, mas a barreira da língua foi demasiado forte e eles foram ocupar espaço na construção civil (para os homens) e trabalhos domésticos (para as mulheres). Durante os anos que passei lá vi uma mudança clara na sociedade que se compunha, com base nesse choque cultural. Infelizmente, os emigrantes que chegavam em busca de melhores condições de vida nem sempre tinham dinheiro sequer para comprar comida. Então, não era raro vê-los à porta dos supermercados e restaurantes na hora do encerramento, á espera do momento que os restos – ainda perfeitamente comestíveis – eram jogados no lixo, para ver se aproveitavam alguma coisa. No início, eram os africanos que esperavam. Depois de uns anos, os africanos faziam compras e pagavam no caixa, enquanto os emigrantes dos países do leste europeu – russos, bielo-russos, eslovacos, romenos – esperavam à porta. Depois, os eslovacos aprenderam a língua e, diferentemente dos africanos, puderam se identificar para o mercado como médicos, economistas, sociólogos e cientistas que eram. Foram se inserindo pouco a pouco na sociedade até serem substituídos à porta dos restaurantes pelos recém-chegados chineses e coreanos.

O meu passeio pela “feira dos importados” me levou de volta ao mesmo pensamento que eu tinha formulado com a imigração asiática em Lisboa: a falta de inserção é impressionante. E sempre me pergunto porquê. Na feira, como em Lisboa, eles mal falam português e no entanto dominam completamente a praça. As lojas de roupas, óculos, bijuteria e perfumaria barata, relógios e eletrônicos são todas deles.
 
Detesto esse “deles” porque me distancia involuntariamente. É tão fácil cair na armadilha do “eles” e “nós”, facilitado pelo incapacidade preconceituosa em distingui-los uns dos outros (imagino que eles também tenham a maior das dificuldades em distinguir um português de um espanhol, um italiano de um francês, um brasileiro de um argentino,etc.
 
A verdade é que me senti triste por eles ao ponto de fugir da feira sem resolver o problema que me tinha levado lá.
 
Para entender de onde veio a minha tristeza, aconselho o documentário abaixo, intitulado “Last train home”. O documentário toca unicamente no tema do fluxo migratório no novo ano chinês. Transponham isso à escala planetária.
A solidão deve ser surreal, talvez a razão de eles formarem grupos tão fechados, tão herméticos e coesos, onde quer que estejam. Falam pouco com os locais, as crianças brincam entre elas – pelo menos até entrarem na escola, a comida também é de “lá” ou o mais de “lá” que os ingredientes daqui permitiram. E têm certamente todos os problemas que enfrentamos no dia a dia, sejam eles com o preço da gasolina, como com a educação das crianças, inserção social, sexualidade,amor, etc. Tudo.
 
Enfim, uma situação triste causada mais uma vez pela globalização. O trabalho escravo não desapareceu. Apenas tomou nova cara, se deslocou, se pintou com outras cores. E são quase sempre os mesmo que pagam a conta. Infelizmente. Apenas um desabafo...

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Carros, carros, carros e mais carros...

Na semana passada eu fui buscar a minha mãe no aeroporto. Ela esteve fora durante mais de um mês e durante esse tempo eu estava com o carro dela. Fui deixá-la em casa no meio da tarde e depois, como tinha de voltar para o escritório, decidi deixar logo o carro com ela e voltar de ônibus. E foi mais um daqueles momentos que confirmam que o carro é mais um objeto que não deveria fazer falta nas nossas vidas. Eu vinha num ônibus que foi ficando progressivamente cheio, mas isso não me incomodou. Na realidade eu me sinto bem nos transportes públicos, é o que faz sentido para mim. Eu até gosto de dirigir, mas preferia dirigir apenas para viajar de férias ou ir fazer compras, coisas assim. E a rede de transporte público em Brasília é péssima. No “plano” – centro desta cidade estranha – há muitas linhas em funcionamento, mas a maioria é composta de carros velhos e descuidados. São raros os ônibus novos, confortáveis e em bom estado. Da mesma forma, a linha de metrô só serve um lado da cidade, e ainda assim de forma precária, pois demoram muito, estão sempre abarrotados durante o horário de ponta, encerram cedo durante o fim de semana, etc. E isso parece não ser uma exclusividade de Brasília. Já estive de férias em São Paulo e no Rio e tive a mesmíssima impressão dos ônibus de lá. A rede de metrô de São Paulo parece uma manta de retalhos com linhas desiguais e conexões e prolongamentos estranhos. O metrô do Rio me pareceu novo e confortabilíssimo.
 
Absorto nos meus pensamentos enquanto estava no ônibus, lembrei-me do quanto eu gostava de viver numa cidade onde eu não precisasse do carro para nada. É um sonho. E das poucas cidades que conheci acho que apenas Paris me ofereceu isso. A rede de metrô de lá é surreal. Há 20 anos atrás já existiam mais de 20 linhas que podiam levar qualquer pessoa de um ponto a outro da cidade em cerca de 30 minutos. Nem tudo era perfeito, claro. A proliferação de linhas transformou a cidade num queijo suíço, além de ser um desafio para qualquer pessoa tentar se orientar lá. Mas no computo geral, podia viver sem carro. Em Lisboa também foi um pouco assim, a uma escala bem menor. Além de andar muito mais a pé – coisa que gosto muito – eu usava muito mais o ônibus em Lisboa e vivi anos sem carro. Morávamos no centro da cidade e lembro-me da rotina de ir levar o filhote à escola e seguir para o trabalho, tudo a pé. Em Brasília, decidi morar no plano precisamente para não precisar de carro. Claro que já sonhei com um carro bonito, confortável, automático, com bom som – adoro música – ar condicionado, computador de bordo, sensor de estacionamento e todas as traquitanas que o dinheiro pode comprar. Mas felizmente esse desejo nunca foi forte o suficiente para eu procurar realizá-lo. Sempre passou com o tempo. Hoje tenho um carro emprestado – do meu irmão que se mudou – e ando nele por preguiça assumida. Ainda vou arranjar uma forma de o vender, mandar o dinheiro para ele e voltar a andar a pé e de bicicleta (já não ando de bicicleta há mais de 6 meses...).
 
E assim me pergunto hoje, porque raio é assim tão difícil desenvolver uma rede razoável de transportes públicos? A única forma de fazer as pessoas pararem de usar os carros, pararem de comprar carros. É assustadora a quantidade de carros que se vendem por dia. Na TV do elevador aqui do prédio onde trabalho tem aparecido uma publicidade recorrente de uma concessionária festejando o marco de mais de 5 mil carros vendidos no primeiro semestre deste ano, só em Brasília! E é só uma concessionária! Eu tremo cada vez que vejo esse numero que eles vendem como se fosse a melhor notícia do mundo desde a invenção do pente para carecas. Eu não acredito na famosa “carona solidária”. Não acredito mesmo. Pessoas aceitando partilhar algo seu com desconhecidos? No way, Jose! Talvez em outra evolução do ser humano. Nesta vida onde somos seres egoístas, com sentimento de posse – ensinada às crianças desde pequenas (as crianças não dão, elas emprestam...) – não creio que o famoso car-pooling seja solução. Os transportes públicos, por outro lado, não são de ninguém e são de todos ao mesmo tempo. Não tenho números concretos para suportar a minha teoria, mas tenho a sensação que a grande maioria das pessoas optariam por usar transportes públicos se estes fossem confortáveis, limpos e rápidos.
 
Então repito a pergunta: porque é assim tão difícil? Falta de dinheiro nos orçamentos públicos? Naahh, não pode ser. O orçamento de infraestrutura é bastante expressivo e faz parte dos 3 mais importantes gastos dos governos, em geral, junto com saúde e defesa, salvo erro (nota á parte: pena que educação não faz parte desse grupo). Então qual é a razão? Vontade política? Não pode ser. Acabou agora a Rio +20 que foi uma suprema decepção. Mas todos concordam – creio – que andamos a destruir o planeta. Não me venham com aquela conversa de que é “conversa de ecochatos”. São fatos. Os recurso do planeta não suportarão o nosso padrão por muito mais tempo. A única dúvida é precisamente essa: quanto tempo. 20 anos? 100 anos? Não faço ideia. Mas que pelo caminhar da carruagem vai tudo pró brejo, vai sim. Deal with it! Que outra razão pode existir? Falta de foco? Visão mercantilista a curto prazo? Talvez. É verdade que vejo todo o tipo de incentivos à baixa de impostos e taxas para compra de carros. Paralelamente a isso os combustíveis são supertaxados – bela fonte de receita – e o álcool (para aqueles que como eu colocam álcool no carro, independentemente de ser “pior para a carteira”) é caríssimo. Ou seja, o governo incentiva a venda de carros e ganha um dinheirão com o combustível necessário para estes andarem. Hmm, ok. Não sabia que os governos usavam o long tail! Nem sequer e inovador, pois os dealers de drogas já fazem isso há algum tempo. Entendo. Não aceito nem compartilho, mas entendo a lógica.
 
Então o que nos resta? No mundo atual, incentivar o modelo de transporte público em massa. Sim, façam aviões que possam levar ás quinhentas e mil pessoas ao mesmo tempo, barcos que levem aldeias inteiras mar afora. Pelo menos sinto que os danos serão “menos piores”. Paralelamente a isso, espero que encontrem uma forma de usar energias alternativas renováveis e não agressivas para o meio ambiente, para alimentar essas máquinas todas. Por mim, poderiam até colocar os passageiros todos a pedalar para ir de um lado para outro. Seria mais barato, ecológico e certamente um solução para o surto de obesidade mórbida das últimas décadas!!
 
Meu sonho? De verdade? Que alguém descubra finalmente o segredo da teleportação. Sério!

terça-feira, 26 de junho de 2012

Qual é o segredo do engajamento?

Há uns anos que escrevo neste blog – não parece, não é? Quando comecei, eu tinha identificado 3 temas que sabia serem os mais difíceis de tratar: política, religião e futebol. Acabei por falar um pouco mais sobre os dois primeiros. O terceiro passou batido ou foi apenas superficialmente abordado porque, francamente, estou um pouco “nem aí”.

Mas, no meio desses vários textos, de alguma forma eu sempre tentei falar de coisas que pudessem gerar alguma discussão saudável, por mais espinhoso que fosse o tema. E um grande mistério é tentar entender o que provoca o engajamento das pessoas, o que as faz dar aquele passo adicional que separa os meros leitores/espectadores dos comentadores/contribuintes. E depois entre comentadores/contribuintes e atores/participantes. Porque os temas aqui abordados acabam por ter como único intuito de provocar alguma mudança, seja ela qual for (espera-se que seja positiva, pelo menos).

Embora não haja muito segredo – para gerar interação é melhor tratar de temas polêmicos – é difícil acertar na escolha do tema polêmico. Do ponto de vista de quem escreve, são todos temas polêmicos, não é? Afinal de contas, se ele decidiu escrever sobre o assunto é porque acha suficientemente pertinente, não é? Mas do outro lado do computador, não é bem assim.

O texto que suscitou mais discussão até agora – e de longe – foi o texto sobre o laicismo no ensino público. Diretamente ou indiretamente, foi o texto que gerou mais comentários, discussões, brigas – em alguns círculos, gargalhadas – em outros círculos, sugestões, etc.

O outro tema que gerou discussão foi a política. Lembro-me que o texto sobre a publicidade comparativa em campanhas políticas gerou alguma discussão.

Tanto no caso da religião com o no da política, fico sempre fascinado pelo grau de envolvimento e fervor das pessoas – contra e a favor. Os dois “lados” não poupam energia para defender o seu ponto de vista, para tentar convencer o “inimigo”. No caso da religião a postura é compreensivelmente mais “orgânica” por se tratar de uma questão de fé. Como sou confessadamente cínico, tendo sorrir esperançadamente, pensando no dia em que essa energia será gasta na resolução dos problemas mais urgentes da humanidade – que, convenhamos pragmaticamente, não são religiosos nem políticos e muito menos, futebolísticos. E se a palavra “humanidade” vos parecer muito distante (acontece), basta olhar para o nosso redor para encontrar algum “problema” bem perto, algo tangível como os sem-abrigo, as crianças que trabalham nos semáforos, a educação, a pobreza, a falta de civismo e de ética, o consumismo, a falta de inclusão, o sexismo/racismo/nacionalismo e outros ismos, o meio ambiente e os impactos climáticos da sociedade de consumo, as energias renováveis, a tecnologia que vai salvar o mundo, etc (todos temas que foram abordados aqui em algum momento). Porque esses temas não geram tanto engajamento quanto a religião, a política ou o futebol?

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Comunicação e marketing criam necessidades?

Num final de semana de almoço de família + amigos, acabamos por nos envolver numa discussão (saudável, sem briga. Sim é possível J) sobre essa frase que eu tanto ouvi e ouço: o marketing/comunicação é capaz de criar necessidades nos consumidores. Opinião pessoal: é uma das maiores falácias que os marqueteiros deste planeta conseguiram plantar na cabeça dos demais mortais. E olhem lá que eu trabalho com diversas disciplinas de comunicação e marketing há uns 15 anos, mais ou menos. Tudo empírico, pois não é a minha formação.

Então porque é uma falácia? Não quero me apegar ao lado semântico/fundamentalista da palavra necessidade pois não é disso que se trata. Apenas gosto que as coisas sejam claras. Que o marketing e a comunicação podem influenciar comportamentos e padrões de consumo, não tenho a mínima dúvida. Mas existe uma diferença gigantesca entre criar necessidades e influenciar comportamentos.

Dizem que o exemplo sempre empobrece, mas às vezes é a melhor forma de explicar um conceito: um careca como eu nunca precisará de um pente. Esse é um fato. Não existe marketing ou comunicação que me convença disso. Mas até falando contra mim, posso até imaginar que me deixe convencer por alguma publicidade que o pente X-21B é “O PENTE” que vai resolver os meus problemas (irão certamente apelar para algum sentimento de baixa autoestima causado pela falta de cabelo). Mas rapidamente vou “usar o tal pente” e descobrir que...afinal, o jovem aqui continua careca e, consequentemente, sem necessidade nenhuma de um pente. Agora, o que pode acontecer é que a minha do pente X-21B seja a manifestação latente de outra necessidade: ter a careca coberta de cabelos. Nesse caso a empresa poderia me oferecer outros produtos – loções capilares, perucas, topetes, etc – e aí, somente aí, eu precisaria de um pente. Ou seja, não se criam necessidades. Detectam-se necessidades! O marketing/comunicação mais eficiente é aquele que melhor estuda – e consequentemente, conhece – o potencial cliente, para melhor satisfazer as suas necessidades (evidentes ou latentes) e assim influenciar o seu comportamento. E saliento que não reduzo necessidades a consumo de tangíveis, ok? Todos os dias “compramos” produtos, mas também compramos ideias, conceitos, posicionamentos políticos e sociais. A lógica é absolutamente a mesma para qualquer um desses campos.

No fim do dia, os marqueteiros usam e abusam – infelizmente, na minha opinião – dessa fábula, porque sabem que enquanto os seus clientes acreditarem, eles terão trabalho. Eu, inclusive! Simples assim.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

As corporações, a especulação na bolsa e o caradelivro

16 bilhões de dólares captados na abertura de capital do caradelivro (sim, teimo em chamar aquela rede assim...). Mas já vamos voltar a esse assunto.

Antes disso vou falar das corporações. Ou empresas. Ou ainda melhor, das pessoas jurídicas. O termo em si é fascinante e parte de um único pressuposto: dotar as empresas de personalidade humana, fazendo assim com que elas tenham acesso aos mesmo direitos que as pessoas físicas – não poder ser privada de vida, liberdade e propriedade, sem alguns processos/passos que garanta justiça do julgamento. Um pouco estranha a comparação entre pessoas e empresas, para não dizer injusta, mas adiante. Fascinante também é que nos EUA essa coisa da “incorporação” foi um aproveitamento de uma emenda da constituição - a 14ª - destinada a garantir cidadania aos negros. De garantir liberdade e direitos a ex-escravos, para proteção de empresas é um salto de loucos, não?

E desde quando uma empresa é um corpo? A vantagem dessa belíssima jogada é que as empresas é que “pagam” quando seus dirigentes – que são pessoas, essas realmente donas de corpos de carne e osso – são incompetentes ou desonestos. E quando digo que “as empresas é que pagam” é um belo eufemismo. Quando uma empresa fecha ou sofre um downsizing, outros corpos são despedidos. Os corpos dos ex-dirigentes normalmente se mantêm intactos...quando não recebem bônus gigantescos. Catch my drift?

Continuando.

Depois disso inventaram que a corporação podia ser dividida em partes infinitesimais e vendida para quem acreditasse na sua capacidade de gerar riqueza. Até aí não vejo nada de errado. O funcionamento me pareceu suficientemente simples: se eu acredito na empresa A, posso comprar ações dela e, quando no final do ano ela apresentar os seus resultados – que espero que sejam positivos – parte desse lucro vem para o meu bolso. É justo, pois eu terei dado o meu dinheiro para ajudar a alavancar esse resultado. É a recompensa que eu – investidor – tenho por ter apostado no futuro da empresa. E esse resultado, esse desenvolvimento é tangível. Ele se manifesta com criação de empregos, riqueza, aumento de consumo, mais investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos e melhores produtos, etc, etc.

Onde a porca torce o rabo é quando o crescimento da empresa não entra na valoração da ação, quando o preço da ação apenas sobre ou desce pela simples lógica de mercado que diz que quando a demanda é alta e o produto é raro, o preço sobe. Nesse caso o produto é a própria ação e não o que a empresa faz ou a sua solidez econômica. Ou seja, em absoluto, a ação de uma empresa pode subir mesmo se a empresa está num buraco financeiro sem fundo que, em ultima instância custará o emprego de milhares de pessoas. Nesse caso eu – investidor – não estou a apostar no futuro da empresa, mas sim e unicamente no futuro da ação, neste caso, um item altamente intangível e volátil. A crise financeira não foi mais do que isso. Na verdade até foi mais pois os financistas de plantão exerceram toda a sua arte para espremer todos os dólares fictícios possíveis dessa grande máquina com a invenção dos derivados e de uma série de outros mecanismos que o comum dos mortais como eu não entende nem quer entender...
 
E voltamos ao caradelivro. Como eu dizia, a rede social da moda captou algo como 16 bilhões de dólares na sua abertura de capital, salvo erro. Esse valor astronômico é ainda assim bem abaixo das expectativas. Hoje a empresa é avaliada em mais de 100 bilhões de dólares. O que eu acho mais fascinante dessa história é que ainda assim vários “especialistas” se mostram céticos com o(s) modelo(s) de negócio da empresa. Qual é ele? É publicidade? Hoje, a publicidade representa cerca de 80% da receita. É e-commerce? As primeiras experiências têm sido catastróficas e as e-lojas têm abandonado progressivamente o barco. É base de dados de usuário? As promessas de adaptação microscópica da oferta à demanda ainda deixa muito a desejar, sobretudo num universo onde o consumidor, habituado a ser bombardeado por promoções de todo o gênero, sofre de um assustador déficit de atenção. Isso, sem contar com a alta rotatividade da própria base de dados de usuários, é difícil assegurar alguma forma de lealdade ou fidelidade. Ali em cima eu escrevi “avaliada” com muita clareza. A sensação que eu tenho é que antigamente se apostava no potencial valor da empresa. Hoje, num mundo de consumismo desenfreado e de crianças adultas com demasiado açúcar no sangue, se aposta na potencial avaliação. E há uma enorme diferença entre avaliação e valor. É a futilidade dos tempos modernos...

quarta-feira, 16 de maio de 2012

E o microcrédito?

Nos últimos tempos não tenho publicado textos porque infelizmente – e felizmente – tenho estado ocupado com um projeto relacionado com o microcrédito. Todos sabem a importância que o tema tem tido para o atual governo. Entre os diversos programas governamentais (Crescer, PNMPO, etc) e a possível formação de um ministério focado nas microempresas, é senso comum chegar à conclusão que o microcrédito é visto como uma das ferramentas mais eficientes para consolidar a saída da linha da pobreza, de grande parte da população.
 
Eu já conhecia um pouco sobre o assunto graças, essencialmente, à experiência do Professor Muhammad Yunus, no Bangladesh. A experiência do Grameen Bank foi fulcral par ao desenvolvimento do microcrédito para o resto do mundo. Ao pesquisar sobre o assunto fui descobrindo experiências fantásticas espalhadas pelo mundo. Por exemplo, descobri a existência do Kiva, uma plataforma que permite que pessoas emprestem dinheiro para financiar micro projetos/ideias/empreendimentos, em toda a parte do mundo, invés de bancos ou empresas. O modelo é simplérrimo e parece funcionar lindamente. Uma solução simples para um problema complexo. E é um efeito positivo da globalização.
 
Pelo que pude avaliar ao pesquisar sobre o assunto, dois pontos me pareceram essenciais para o sucesso do microcrédito: o uso de grupos solidários, onde as pessoas dependem umas das outras para poder usufruir do empréstimo sem garantias ou colaterais. Aqui entra a importância da reputação, da honra. Quem não tiver boa reputação dificilmente arranja alguém para se tornar solidário da dívida, não é? Nesse sentido acaba por ser um sistema de ganha/ganha, pois quem não tem garantias para apresentar usa o “bom nome” como tal, e o banco também dilui o seu risco pelo grupo solidário. O segundo item de importância é a proximidade. Todos os modelos analisados mostram que quem empresta o dinheiro está bem próximo de quem toma, seja para acompanhar os empreendimentos (uma forma de garantir o retorno), seja com modelos de capacitação dos microempreendedores, seja com assessoramento, etc.
 
Pude verificar que “emprestar para pobre é um bom negócio”, extremamente rentável. Uma das conclusões da experiência do Grameen é que os pobres são extremamente bons pagadores, a inadimplência é baixíssima. Uma das razões da baixa inadimplência é o fato dessa população ser ainda muito avessa à formalidade e bancarização, valorizando muito a honra e o “bom nome na praça”. Ironicamente, são conceitos que tendem a desaparecer á medida que conhecemos e integramos a “máquina”, não é? Isso leva a outra análise: em geral, para o público de baixa renda, os juros baixos são muito menos importantes do que o próprio acesso ao crédito. Os produtos normalmente comercializados têm rotação e margens altas. Aliás, é por isso que muitas vezes existem agiotas atuando como pseudo-bancos comunitários, onde não há presença de bancos ou organizações oficiais. Sob esse pretexto, alguns bancos como o Compartamos, no México ou o próprio Grameen Bank em alguns dos seus produtos, trabalham o microcrédito com juros altíssimos, sendo assim alvo de severas criticas de organizações da sociedade civil.
 
Na semana passada fui a Fortaleza visitar o CrediAmigo, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). O microcrédito deles é operacionalizado em parceria com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC). Fora o absoluto sucesso do modelo de negócio em todos os sentidos – geração de credito para população de baixa renda, bancarização parcial, treinamento e capacitação de cerca de 2200 agentes de credito, treinamento e capacitação dos tomadores de crédito, mais de 1 milhão de clientes, etc (acessem o site e vejam os balanços sociais) – o que mais me impressionou foi o entusiasmo das pessoas que trabalham em toda a cadeia produtiva. Mais que o resultado financeiro, que é belíssimo, o que mais parece motivar as pessoas é o efeito que o trabalho delas gera no dia a dia. As mudanças de realidade são visíveis, palpáveis. Muitos dos agentes dizem com orgulho, ser donos de um carro ou de uma moto, estar a estudar, ter ajudado a montar vários micronegócios, e por aí adiante. A viagem me deixou pensativo pois, creio, que foi a primeira vez que vi o setor bancário funcionar numa lógica de ganha/ganha com o seu cliente. Isso é esperançoso, não é?

terça-feira, 13 de março de 2012

O que é Responsabilidade Social Empresarial?

Sempre que me perguntam em que consiste é o meu trabalho, respiro fundo e tento explicar sem parecer pedante. A forma mais simples de explicar é “tento convencer a empresa para qual trabalho a não pensar só em lucro”. Normalmente essa explicação é invariavelmente recebida com um olhar de admiração, seguido por um suspiro profundo e um “uau, boa sorte!”. E essa reação vem bem antes de explicar que a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) tenta incentivar as empresas a pensar e se relacionar de forma sistemática e coerente com todos os seus públicos de interesse. As palavras-chave aqui são “sistemática” e “coerente”.
 
Os temas da RSE e Sustentabilidade, depois de um momento de euforia, parecem passar agora por uma espécie de ressaca. Depois do tempo em que o tema era tratado nos departamentos de comunicação e marketing, muitas empresas decidiram criar áreas especificas para operacionalizar as mudanças necessárias. Em conversa com uma amiga demo-nos conta que, infelizmente, muitas vezes a função dessas áreas tem sido cada vez mais deturpada, desviando recursos valiosos – os profissionais que lá trabalham – para projetos que pouco ou nada impactam na mudança da cultura da empresa. E é esse o objetivo de um departamento de RSE: mudança da cultura empresarial. Hoje é bastante comum vermos a área de RSE cuidar da coleta seletiva ou reciclagem, dos dias da mãe/pai/tio/mulher/negro/índio/trabalhador/etc, da manutenção de parte do endomarketing ou comunicação interna, de parte da capacitação etc. Em alguns casos a área de RSE é até confundida com o sindicato da empresa ou mesmo com uma espécie de ouvidoria interna ou ombudsman. Isso é sinal tanto de uma falta de estrutura interna para acolher a mudança, como da falta de foco da própria área. Em muitos casos é sinal de que, nitidamente, a carroça foi colocada na frente dos bois.
 
Já ouço a pergunta que vale 1 milhão: mas se não é a área de RSE que deve cuidar desses assuntos, quem deve? É relativamente simples responder a essa pergunta se pensarmos uma área que trata de RSE e/ou Sustentabilidade como uma área com data limite, com prazo marcado para extinção. Quem trataria dos temas acima citados, se não houvesse a área de RSE? Provavelmente ficariam divididos entre quem cuida de pessoas, de comunicação, de administração etc., não é? O foco de uma célula de RSE ou de Sustentabilidade é e deve ser estratégico, consultivo. Não é uma área operacional. O seu objetivo não é “apagar o fogo”, mas sim e unicamente criar sistemas e estrutura para que “o fogo nunca acenda de novo”. É uma atitude preventiva bem mais do que reativa. Basta olhar com atenção para as 3 ferramentas principais da RSE no Brasil – ISO 26000, Pacto Global e Indicadores Ethos – para concluir que os temas tratados são absolutamente estratégicos e não podem depender de uma área sem suficiente poder executivo. Enquanto a célula de RSE não tiver poder para forçar as mudanças necessárias, ela continuará no seu papel superficialmente cosmético. Então qual é a solução? A minha sensação é que no fundo é relativamente simples. Ou se empodera claramente essas áreas para que elas possam agir diretamente na operação ou sistemas que impactam diretamente a cultura empresarial, ou o tema tem de subir um nível e passa a ser tratado no Conselho de Administração, como demandas imperativas para serem executadas pelo corpo de gestão. Tudo o resto é cosmética e greenwashing. Sem dizer que é uma enorme palhaçada...

quinta-feira, 8 de março de 2012

As desconhecidas que impactaram a minha vida

Como é apropriado, vou falar hoje sobre o Dia Internacional da Mulher. Mas ao pensar no assunto, decidi que queria tentar fazer uma abordagem diferente do tema.

Normalmente, faria um levantamento histórico da razão da existência deste dia, dos avanços obtidos para as mulheres nos últimos séculos, do espaço delas no mundo empresarial em geral, do tratamento do tema na publicidade, do Programa Pró-equidade de gênero e raça, etc, etc. Mas isso tudo, qualquer pessoa “com dois dedos de testa” e um acesso razoável à internet, consegue ter sem muito esforço. Até ajudei um pouco aí.
 
Então, pensei aqui com os meus botões que outro tipo de homenagem poderia prestar ao famoso – e preconceituosamente chamado – “sexo frágil” ou “sexo fraco”. E decidi falar das mulheres desconhecidas que tiveram impacto na minha vida. Desconhecidas para vocês, é claro. ;)
 
Tenho que começar, obviamente, pelo círculo mais próximo, o círculo familiar:
  • Tudo começa com a mãe, não é? Uma mulher inteligente e forte que, claro, complexos de Édipo de lado, serviria de referência para todas as outras mulheres que conheci depois. Ela conseguiu a proeza de ser filha, mãe, profissional e amiga em continentes e culturas diferentes, sem perder um olhar inocente e cândido sobre as pessoas. Se há uma coisa que admiro nela é a capacidade de ver o bem nas pessoas, de extrair e de despertar o que há de melhor nelas. E minha mãe sabe bem o que é ser mulher nessas diferentes culturas. Saiu vitoriosa de cada um destes embates culturais.
  • A minha avó materna também foi presente no nosso crescimento, sempre com aquele típico olhar carinhoso que os avós têm. Estava presente no dia a dia, curando todas as feridas das loucuras que as crianças inventavam para tornar o dia mais interessante lá no fundo da África Ocidental. Não há nada como carinho de avó. O meu filho que o diga, hoje.
  • Depois, há a minha irmã, que sempre foi a mais rebelde, com opiniões próprias, e isso desde criança. Brigávamos o tempo inteiro porque ela queria crescer mais depressa do que a natureza deixava. Hoje, é mãe de um casal de crianças lindas (a terceira está a caminho). Mas continua casmurra como sempre, porém, me desdobro muito para dar conselhos a ela. Embora minha irmã e eu vivamos, hoje, em continentes diferentes, acho que em nossa vida adulta, nunca estivemos tão próximos.
  • Também há a minha ex-esposa, uma mulher brilhante, com uma sensibilidade à flor da pele e que hoje trabalha, precisamente, com o tema de equidade de gênero. O impacto dela em minha vida foi obviamente gigantesco. Aprendi com ela a ser transparente. Pode parecer pouco, mas não é, acreditem. O fato de hoje eu trabalhar com temas sociais também foi resultado de um estímulo dela.
Saindo do círculo familiar:
  • Lembro-me de uma empregada que tivemos quando ainda morávamos em Bissau, capital de Guiné-Bissau. A mulher tinha 1,40 m (se tanto) e fazia de tudo para que não nos faltasse nada. Fazia parte da família. Com ela, aprendi que empatia nada tinha a ver com idade, cultura, cor de pele etc. Nosso maior prazer era ouvir as historias de infância dela.
  • Como todo rapaz, tive a minha primeira paixão. E foi por uma professora de matemática. Ela despertou em mim o prazer das exatas e o pragmatismo dos números. Quis ser cientista por causa dela. Infelizmente, outra professora de matemática destruiu paulatinamente esse desejo e meu sonho acabou no penúltimo ano do secundário. Não podia ser tudo um sonho, não é?
  • A diretora do meu liceu, certa vez, me disse uma frase que me lembro até hoje: nada é gratuito. Ela me falou isso num dia em quem me expulsava do liceu por algo que eu tinha feito. Sim, foi castigo merecido. ;)
  • Profissionalmente, também cruzei com mulheres admiráveis. Algumas delas trabalham por perto até hoje. Muitas dessas mulheres começaram a fazer parte da minha vida como meras colegas de trabalho para, depois, se tornarem amigas próximas. Em alguns casos – poucos, felizmente – encontrei mulheres que tentavam ser mais homens que os homens. Tive uma chefe assim quando trabalhei com supermercados. Detestei cada minuto do trabalho com ela. Mas, mesmo assim, reconhecia o esforço que ela tinha que fazer para ser vista como igual aos colegas dela, que eram todos homens. Não devia ser fácil para ela. Porém, me demiti do cargo por causa dela, é um fato.
Num mundo masculinizado como o nosso, a verdade é que tendemos a prestar pouca atenção à quantidade gigantesca de mulheres que impactam as nossas vidas diariamente.
 
E para vocês? Quais são as heroínas desconhecidas? Contem suas histórias!

quinta-feira, 1 de março de 2012

A religião e o Estado laico

Na festa de final de ano da escola pública do meu filho, no fim do ano passado, fomos surpreendidos, após as atuações dos alunos, com um canto religioso. Foi como se estivéssemos numa igreja. Mas não estávamos. Estávamos numa instituição pública de ensino, supostamente laica.

Pensei que talvez também fossem cantar algo para as outras religiões, o que obviamente não aconteceu. Coincidentemente, estava à minha frente uma mãe muçulmana, tirando fotos dos filhos. Notei o desconforto de alguns pais – minoria à qual eu pertencia – e tentei imaginar como aquela mãe devia se sentir.

Esperei pelo fim da celebração e fui conversar com a diretora da escola, que, curiosamente, era a mestre de cerimônia do evento, inclusive do cântico final. Disse-lhe que tinha me sentido incomodado por duas razões. A primeira era a presença da religião numa escola pública e a segunda era a unilateralidade religiosa no evento.

Para o segundo argumento, ela tentou me explicar que eles tratavam o assunto de forma bastante aberta e que todas as religiões eram bem-vindas na escola, ao que retorqui que não era bem assim, já que a realidade parecia ser outra. Não tínhamos ouvido nenhum canto muçulmano, hindu, espírita, budista, umbandista, judaico etc. Sobre o meu primeiro comentário, nem chegamos a tocar no assunto.

Como isso aconteceu no final do ano, ela me convidou para discutir o assunto este ano, assim que a escola voltasse a funcionar. As aulas recomeçaram esta semana, já cruzei com a diretora na escola e ela ainda não me falou de quando teremos a conversa.

O debate religioso nas sociedades modernas é muito complexo. Os dois “campos” não são minimamente abertos ao diálogo, ao meio termo, ao consenso. A religião, aliás, é um daqueles três temas mais difíceis de serem discutidos, mesmo entre pessoas civilizadas, ao lado da política e do futebol.

Cresci entre duas avós religiosas, uma católica e a outra protestante. Ia à missa aos domingos com meus irmãos – embora eu mesmo não entendesse muito bem porque precisava de um padre para falar com Deus. Fomos batizados e fizemos catequese. Fazia essas coisas porque nossas avós ou uma tia nos levavam à igreja. Os meus pais nunca nos estimularam a sermos católicos ou protestantes. Hoje, algumas das crianças que pertenciam a esse círculo são religiosas, outras não.

Da mesma forma, hoje não incentivo o meu filho de 10 anos a ser católico, protestante, budista, muçulmano, hindu etc. Mas também não o incentivo a ser agnóstico ou ateu. Quando ele pergunta sobre o assunto, tento lhe explicar com a melhor das minhas habilidades o que representa cada um, quais são as origens, deveres, responsabilidades de cada possibilidade. E espero que, com o tempo, ele faça a escolha dele, da mesma forma que fiz a minha.

A fé do meu filho deve ser uma escolha totalmente dele. As instituições do Estado, que servem a todos de forma equitativa e igualitária, não devem interferir nesse processo. Ele mesmo decidirá, em seu tempo, se quer ter ou não uma religião. Tem que ser uma escolha dele, pois quando for questionado – e todos sabemos que o será, seja qual for a sua escolha –, só ele poderá arranjar os argumentos para alicerçar a sua defesa.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Partilhar é morrer um pouco...

No outro dia mandaram-me este vídeo.

Que fabuloso, não é? Onde foi parar esse instinto da partilha, visivelmente natural? O que acontece durante as nossas vidas que faz com que o ato de dividir se torne progressivamente mais sofrido? Será porque as coisas se tornam também progressivamente mais difíceis de conseguir. No vídeo o sanduíche é obtido sem nenhum esforço, então talvez por isso a partilha seja tão fácil, não é? Não vou negar a existência de pessoas naturalmente egoístas ou altruístas. É preciso de tudo para fazer um Mundo. Mas não deixo de ficar fascinado pela capacidade de corrupção das sociedades modernas.
Ao observar as crianças – tenho um filho de dez anos – é evidente a facilidade de integração que eles mostram. E quanto mais novos, mais evidente é. Lembro-me uma vez no aeroporto de Guarulhos, a nossa conexão para Brasília estava atrasada e ficamos horas numa sala de espera. E o meu filho, que tinha uns quatro ou cinco anos nessa altura, brincava com crianças que nunca tinha visto em lado nenhum – algumas delas vinham de países cuja língua ele nem falava como China ou Suécia. Os adultos estavam preocupados com a alimentação deles, hidratação etc, mas eles apenas brincavam. E quando algum dos pais dava à sua prole algo para comer, este se apressava de voltar para o seu grupinho e partilhar com os outros o suco ou barra de cereais que acabava de ganhar. E obviamente que os pais se olhavam, reticentes. Sabem aquela coisa “não deves aceitar comida – ou qualquer outra coisa – de pessoas que não conheces"? Pois. A nossa coerência era colocada em prova pelo olhar das crianças, aquele olhar que diz “Pai, e agora? Aceito ou não?”. Fascinante como todos pensavam o mesmo, embora em línguas e culturas diferentes. E obviamente que deixávamos os filhos partilharem uns com os outros, algo que nós, adultos educados e civilizados, nunca faríamos pois obedecemos a outro conjunto de regras socializantes. Ou apenas porque, algures no nosso caminho, deixamos de ser coerentes, aprendemos a ter medo do mundo lá fora, passamos a ser mais protecionistas do que é “nosso”.
Durante esta reflexão lembrei-me de outro vídeo. Lembram-se da Severn Suzuki, aquela menina de 12 anos que falou na conferencia ECO 92 (Meio Ambiente) da ONU? Entre as várias cobranças que ela fazia aos adultos, a mais interessante é a cobrança por coerência. Tantas coisas que dizemos ao nossos para fazer, e quando adultos fazemos exatamente o oposto?

E eu que achava que quando “fosse grande” seria diferente. Partilhar é mesmo morrer um pouco...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Reflexões aleatórias sobre segurança pública...

No bairro onde eu moro, a 3 ou 4 blocos da porta do meu prédio, havia uma escola de treinamento de vigilantes/seguranças. E a organização escolheu ter o nome de uma pistola usada pelo exercito nazista, durante a segunda guerra mundial. A entrada da escola se encontrava nas traseiras do prédio, num lugar com menos visibilidade e circulação. Mesmo assim confesso que não me sentia muito confortável com a presença deles. E a simbologia da arma não ajudava. Mas assumi que se eles estavam aí quando eu cheguei, provavelmente não incomodavam ninguém. E deixei passar. Relutantemente.
 
Pouco tempo depois, mudou-se para o meu prédio um policial com a família – esposa e filhinha. Conheci-o nas escadas, num dia que ele saía de bicicleta para levar a filha para a escola. Muito simpático, educado, aparentemente gente boníssima. Nessa altura eu não sabia que era policial. Só fui perceber isso um dia que nos cruzamos ao voltar do trabalho e ele estava todo equipado, arma no coldre e tudo.
 
Passou um tempo e a escola de vigilantes se mudou para o mesmo bloco que eu, 3 portas abaixo do meu prédio. Agora na rua principal, ao lado de uma escola de dança onde eu ia inscrever o meu filho para aulas de Street Dance. Agora a rua amanhece cheia de gente aguardando a abertura da escola. Claramente são pessoas das camadas mais pobres da população – vê-se que vêm de longe, muitas vezes mal tomaram o café da manhã para poder chegar a horas, ou para a inscrição, ou para as próprias aulas.
 
Entre o policial no prédio e a escola na rua, senti-me claustrofóbico. Refraseando: entre a arma no meu prédio e a escola com nome de arma na minha rua, senti-me claustrofóbico. E o fato do meu filho – e outras crianças – morarem e brincarem na rua, não muda nada da sensação. Eu sentir-me-ia assim mesmo se lá morasse sozinho. Tento fugir ao julgamento de valores, mas acabo por me perguntar sempre como o meu vizinho convive com o fato de ter uma arma no mesmo espaço onde vive a filha e a esposa. E é humanamente facílimo fazer esse “assassinato de caráter”, baseado unicamente no fato dele ter uma arma. É estranhamente fácil ser preconceituoso. O mesmo acontece com a escola. Nunca ouvi tiros, mas o primeiro pensamento que me passou pela cabeça foi que poderia ter alguma sala de treinar tiros. O infeliz nome da escola me impele a esse tipo de pensamento. Tento racionalizar o medo com dados estatísticos. No livro “Freakonomics", o economista Steven Levitt e o jornalista Stephen Dubner mostram que é consideravelmente mais perigoso ter uma piscina em casa do que uma arma de fogo. Pois. Ou seja, estatisticamente, o meu filho está mais seguro no meu prédio onde tem uma arma de fogo, do que em casa da minha mãe onde têm uma piscina. Essa é a leitura tendenciosa que normalmente temos. Mas está errada. Duplamente errada. Primeiro porque, na melhor das hipóteses ele – o meu filho – não estaria “mais seguro” mas sim “menos inseguro”. Não sei para vocês, mas para mim é uma diferença gigantesca. Segundo porque para essa teoria ser válida, teria que ser verificada “sob condições normais de temperatura e pressão”. E na minha casa não tem piscina. Nem no meu prédio.
 
Durante as eleições para deputado distrital aqui em Brasília, ouvi o spot rádio de um candidato. Coincidentemente, era um “coronel qualquer coisa”. O spot dele dizia algo como “para quê ter mais escolas, transportes públicos, hospitais etc, se você não sabe se o seu filho pode chegar vivo ao seu destino por causa da violência na cidade? É preciso mais policiais para proteger o nosso povo...”. Imaginam a minha reação, não? Porque ter mais policia na rua raramente é sinônimo de segurança? Provavelmente porque a policia hoje é mais reativa do que proativa. Quando vejo muita policia num lugar, tento desviar o meu caminho porque isso quer dizer que é um lugar muito violento, não? E isso sem contar nos casos de abuso de poder, truculência, etc. Não me entendam mal. Não sou anarquista, longe disso. E muito menos sou original ou inovador. Como muitos, apenas partilho do pensamento que o debate da segurança pública está centrado nos objetivos errados: em resolver/mitigar/reduzir os efeitos, as consequências atuais. Não é ciência da NASA: para resolver o problema definitivamente, é preciso resolver o que causa o dito problema. É como tentar erradicar um vírus. Tem gente focada em cuidar de quem foi infetado e tem quem só está focada em encontrar a vacina que cura definitivamente. Eu sei que parece simples...

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Frutos de um determinismo?

Antes de mais, um bom ano a tod@s! Que 2012 seja repleto de sucesso profissional, paz e saúde, momentos de carinho e amizade com a família e amigos! Dizem as más línguas que o mundo vai acabar no final deste ano. Se assim for, que seja no meio de pessoas queridas e com muita musica e gargalhadas!

E voltamos à nossa rotina. Eu ia escrever sobre as perspectivas deste ano, mas ao ler o texto sobre os “gênios do bem e do mal” senti vontade de desenvolver mais um pouco.

Algumas pessoas comentaram comigo como quem é “do mal” terá sempre por objetivo a destruição de algum valor, de alguma organização, de alguma coisa que é querida às pessoas “do bem”. Não sei até que ponto esse ponto de vista é compartilhado. Eu confesso que não me reconheço nessa visão do ser imóvel e imutável humano. Se há uma coisa que a história nos conta é precisamente que as coisas mudam, as sociedades mudam, evoluem. Essa evolução é consequência da evolução das pessoas, do indivíduo, não? Ou seja, parece-me um pouco contraditório com a crença que quem é “do mal” o será para sempre. Não há espaço para reabilitação e recuperação? Ou, numa visão mais religiosa, para perdão e redenção? Ou seja, o que nós somos já está escrito e decidido muito antes de termos consciência. É genético.

Parece-me ser uma visão redutora do ser humano. Da mesma forma que não acredito ser 100% “senhor do meu destino, capitão do meu barco”, também não acredito nesse grau de determinismo. A verdade, seja ela qual for, está muito provavelmente algures num meio termo.

Num texto anterior eu falava de como era possível quebrar o ciclo da pobreza. Eu vejo uma conexão clara entre estes dois textos. É incoerente acreditar consecutivamente na imutabilidade dos seres humanos “do mal” e na possibilidade de quebrar o ciclo da pobreza, no meu ver. E histórias não faltam que comprovam essa capacidade de regeneração do ser humano. Na semana passada eu estive no Lar de Crianças Nossa Senhora das Graças, em Petrópolis, rodeado de crianças que tiveram a infelicidade de viver alguns anos das suas pequenas vidas numa realidade violentíssima. E é um bálsamo para a alma ver que mesmo assim elas almejam profissões como bombeiro, polícia, advogado, etc. E quando perguntamos pela razão dessas escolhas, invariavelmente surge a resposta “para ajudar pessoas”. Se isso não é regeneração, reabilitação, redenção, então eu não sei o que é.