sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A marcha das margaridas e o detestável egoísmo do ser humano

Na quinta-feira passada, 17 de agosto, aconteceu em Brasília a marcha das Margaridas. O objetivo da marcha é/foi simples: uma ação das mulheres do campo e da floresta para conquistar visibilidade, reconhecimento social e político e cidadania plena. Quem não conhece o movimento pode acessar o link acima ou ainda pesquisar mais sobre o assunto. Que fique apenas aqui registrado que eu apoio totalmente a marcha, assim como qualquer outra manifestação que reivindique direitos básicos de cidadania.

Durante o dia da marcha ouvi e li os comentários mais absurdos sobre ela. Fiquei absolutamente abismado pelo assustador grau de egoísmo que o ser humano é capaz de mostrar. A quantidade de pessoas ao meu redor que falaram em termos insultuosos dessas mulheres que apenas tentam tocar com o dedo o grau de conforto que a grande maioria dos habitantes de grandes metrópoles como Brasília têm, foi impressionante. Sim, claro que a cidade ficou um caos. Sim, claro que um montão de pessoas chegou atrasada ao trabalho. Sim, a cidade ficou suja de panfletos – não ouvi ninguém se queixar quando as campanhas políticas do final do ano passado deixaram a cidade tão suja que na minha rua nem era possível ver o alcatrão da estrada. Sim, claro que muitas pessoas não tiveram um dia produtivo. Sim, claro que a manifestação poderia ter acontecido num lugar onde não incomodasse ninguém ou incomodasse pouco. Sim, foram 70 mil pessoas incomodando quase dois milhões. Sim a tudo isso. Mas infelizmente não é assim que as coisas funcionam.

Vamos por partes.
  1. Não é preciso ser diplomado em física quântica para perceber que foi apenas um dia de incomodo, contra décadas de condições precárias. Hoje em Brasília já ninguém se queixa do transito, voltou tudo à normalidade para os citadinos. Já voltamos à rotina dos nossos empregos, academias, cinemas e restaurantes, clubes e esportes. As Margaridas também voltaram para a rotina da vida no campo e na floresta. As coisas mudaram pouco ou nada para incomodantes e incomodantes, mas não tenho nenhuma dúvida de quem dos dois está pior no filme.
  2. Provavelmente os brasilienses queriam que a marcha/manifestação acontecesse no SMN ou SMS (imaginário Setor de Manifestações Norte ou Sul). Já que em Brasília tudo é arquitetonicamente setorizado, podíamos sugerir a criação desses Setores, preferencialmente numa área afastada da cidade, onde as manifestações pudessem ser levadas sem problemas. Mas se uma manifestação não incomoda, não interrompe a aparente tranquilidade das coisas, ela não provoca discussão. Se ela não provoca discussão, ela não incentiva mudanças. E incentivar mudanças é o objetivo de qualquer manifestação, que a gente concorde ou não com as mudanças que elas sugerem. Lembro que foi com manifestações que incomodaram muito que negros e mulheres obtiveram direito de voto nas sociedades modernas. E por mais que eu não estivesse no Brasil durante o “diretas já”, lembro-me das imagens da região da Sé em São Paulo completamente bloqueada pelo povo. Aposto que muitas pessoas também foram incomodadas nesse dias...
  3. A marcha foi amplamente e antecipadamente divulgada durante as semanas e dias que antecederam. Todas as rádios avisavam do itinerário da manifestação e aconselhavam itinerários alternativos para os transeuntes. Dizer que foram 2 milhões de pessoas incomodadas é obviamente mais uma declaração profundamente falsa. Quem foi mais incomodado foi quem não prestou atenção ou achou que não iria haver tanta gente. No primeiro caso sinto pena, no segundo penso “bem feito”.
Incomoda-me muito o egoísmo. É algo pessoal. É um sentimento profundamente humano, eu sei. Vem de um instinto de preservação. E incluo-me obviamente nessa visão. Provavelmente não teria abordado este tema de forma tão contundente se a declaração de uma amiga sobre as margaridas não tivesse servido de gatilho para a discussão. O egoísmo é para mim simplesmente sintoma da incapacidade do ser humano se colocar no lugar do outro, sequer por instantes, para tentar entender as razões da atuação do outro, essa coisa profundamente humana chamada empatia. Parece que é um sentimento profundamente e voluntariamente enclausurado.
Ouço diariamente pessoas usarem a palavra Amor com toda a leviandade do mundo. Amam profissões, animais, times ou esportes, até comida ou roupas, mas são incapazes de sentir empatia por um ser humano, uma pessoa que almeja melhores condições de vida. Reconheço que existem casos em que isso é muito difícil de fazer. Penso no nacionalista norueguês que matou 90 pessoas do seu país, por exemplo. Ou de pais que matam os filhos. Mas este caso não é um deles. Haja bom senso...
Como dizia a Rita Lee, os incomodados que se incomodem!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Abandono de bebês...

No outro dia fui ao hospital por causa de uma dor de garganta que não passava há um mês. Enquanto esperava pelo meu atendimento, distraidamente eu olhava para a televisão. Era final da tarde e passava uma emissão num canal público que eu não conhecia. O tema tratado nesse dia parecia ser “bebês abandonados” ou algo assim, porque durante as duas horas que esperei o apresentador não falou de outra coisa. Usando como fio condutor o caso de uma senhora que tinha encontrado um bebê numa lixeira, a emissão levantou vários casos similares, dos mais escabrosos aos mais felizes. Mostraram imagens de arquivo de pessoas que encontraram bebês mortos em sacolas de lixo, imagens de câmeras de segurança onde tentam identificar as pessoas que abandonam, havia até gente que filmou enquanto encontrava a(s) criança(s), como se antecipadamente soubesse que esse seria o seu passaporte para a fama. Tudo isto ia sendo metronomicamente interrompido por pedaços de entrevista da senhora que tinha acabado de salvar a criança, onde esta apenas manifestava que ela não era nenhuma heroína, que apena se tinha limitado a fazer o que o bom senso ditava.

O público que esperava pela sua vez no átrio do hospital, como eu, acompanhava tudo com uma atenção meticulosa alimentada pelo voyeurismo natural que temos em nós, pontuando aqui e ali o silencio do hospital por manifestações hora de nojo ou rejeição, hora de aceitação e conivência, dependendo do que a TV mostrava no momento. Num momento em que o programa apresentava imagens de uma câmera de segurança, que mostrava uma mulher abandonando um bebê na guarita de um predio residencial de Brasília, um dos presentes na sala exclamou algo como “deveria ser fuzilada ou mandada para sempre para Carandiru...“.

Eu confesso que, no meio de tantas demonstrações de desprezo, a única coisa que eu consegui pensar dessas mulheres e homens (sim, homens, e não eram poucos) que abandonavam os bebês em rios, florestas, lixeiras no meio da cidade, entradas de shopping etc. é “coitados”. Pois. Coitados. Porque eu parto do pressuposto que ninguém abandona um bebê sem sofrimento. Assumir que todas as pessoas que abandonam bebês ou crianças são psicóticos desprovidos de sentimentos parece-me sem sentido, alem de ser confortavelmente arrogante. Ou arrogantemente confortável, como quiserem. Sim, a lei das probabilidades diz que certamente entre esse grupo existem pessoas absolutamente sem escrúpulos ou consciência. Mas daí a assumir que são todas ou mesmo que é a maioria, vai um mundo. Se assim fosse, essas pessoas matariam as crianças. Mas não o fazem, correto?

Eu tenho precisamente a sensação que a maioria chega à decisão do abandono quando já esgotou todas as outras opções, quando já pensou em quase todas as outras possibilidades. Na verdade não pensou em todas. Só que ao crescer, ao nos tornarmos “adultos” parece que perdemos a sapiência de pedir ajuda. Pedir ajuda é um sinal de fraqueza, sobretudo nas sociedades modernas. Então só resta o abandono, só resta largar a criança num lugar qualquer e esperar uma de duas coisas: que alguém encontre antes que seja tarde demais ou que a criança morra depressa e sem sofrimento, como se alguma dessas duas situações fosse aliviar o peso da decisão.

Não tenho resposta para esse tipo de situação. Não sou psicólogo nem sei que tipo de ajuda poderia ser dada. Mas tenho o sentimento que a repressão é de longe a pior resposta possível. Essas pessoas precisam de ajuda. Consideramos drogados como doentes e pessoas que abandonam crianças não? Onde está a linha que separa um tipo do outro? Quem é o juiz dessa sentença?

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Queixem-se, reclamem! Esbravejem, por favor!

Eu sei que é um tema recorrente nos meus textos, mas é apenas a manifestação de uma intuição, da sensação que muita mudança pode vir por este caminho. E que caminho é esse? O do poder do cidadão, do consumidor, da pessoa, do CPF.

Quantas vezes ouvimos familiares ou amigos se queixarem de alguma situação na qual eles se sentiram lesados de alguma forma? Aliás, nem precisa vir de fora. Tenho a certeza que cada um de nós já passou por situações dessas.

Uma pequena história para contextualizar o meu raciocínio. Quem já conhece este blog sabe que há uns tempos atrás eu recebi um email da TAM avisando que a partir de certa data as viagens com milhas dentro da América Latina passariam a custar quinze mil milhas invés de dez mil. Eu fiquei indignado porque como cliente, eu simplesmente não tinha sido consultado, nem direta nem indiretamente através de algum grupo focal ou similar. Queixei-me em todos os canais à minha disposição (twitter, facebook...) e até escrevi sobre isso. Usei o Reclame Aqui que já me tinha sido útil em outros casos, divulguei em todas as redes sociais. O que achei mais estranho é que muitos dos meus amigos ou colegas de trabalho também tinham recebido a mesma comunicação e ninguém tinha achado estranho. Todos tinham achado escandalosa a decisão unilateral da TAM, mas ninguém tinha reclamado. Uns até me diziam que não iria servir para nada. O que aconteceu foi que eu recebi uma resposta do “fale com o presidente da TAM” e iniciei um diálogo com eles, tentando explicar como a decisão deles ia contra os interesses dos seus melhores e mais fiéis clientes, ou como, nó mínimo deveriam deixar esses clientes usar as milhas ganhas antes da mudança com as regras de resgate anteriores (dez mil milhas por trecho). Não serviu de nada. A resposta foi um elegante e burocrático “lamento mas é assim”. E eu pensei comigo mesmo: ok, então eu vou usar as milhas que tenho e vou para a concorrência. Simples assim. Eu até tinha um cartão de crédito da companhia deles, imaginem. Não tenho a veemência de achar que vou fazer um estrago insuperável à TAM, claro. Mas mesmo assim, eles perderam um bom cliente e sobretudo, arranjara uma pessoa que irá falar mal deles sempre que possível. Uma pena.

O fundamental desta historia não é que eu não consegui o que queria. O que me parece importante aqui é que demasiadas vezes nos deixamos embrulhar nessa falácia de que não vale a pena se queixar ou fazer barulho. É algo tão simples e claro desde o primórdio dos tempos: um sozinho talvez não faça muita diferença. Mas muitas pessoas? Existem hoje uma série de meios para vociferar a nossa indignação quando nos sentimos genuinamente lesados. Eu não me abstenho delas, uso sempre que posso. Também uso para falar bem, é importante que sejamos justos também. Se podemos beliscar a reputação de uma empresa, de uma entidade, de um governo que seja, por conta de alguma atitude contra o cidadão/consumidor, é importante também que sejamos capazes de parabenizar essas mesmas entidades pelo bem que fazem. A minha opinião é simples: se não usamos as ferramentas e meios à nossa disposição para corrigir o que achamos estar errado, então não temos direito a queixa. Simples assim. Isso funciona do ponto vista da sociedade de consumo e funciona também do ponto de vista de uma democracia saudável.

Por isso, sempre que possível: queixem-se, reclamem, esbravejem, por favor!