terça-feira, 13 de março de 2012

O que é Responsabilidade Social Empresarial?

Sempre que me perguntam em que consiste é o meu trabalho, respiro fundo e tento explicar sem parecer pedante. A forma mais simples de explicar é “tento convencer a empresa para qual trabalho a não pensar só em lucro”. Normalmente essa explicação é invariavelmente recebida com um olhar de admiração, seguido por um suspiro profundo e um “uau, boa sorte!”. E essa reação vem bem antes de explicar que a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) tenta incentivar as empresas a pensar e se relacionar de forma sistemática e coerente com todos os seus públicos de interesse. As palavras-chave aqui são “sistemática” e “coerente”.
 
Os temas da RSE e Sustentabilidade, depois de um momento de euforia, parecem passar agora por uma espécie de ressaca. Depois do tempo em que o tema era tratado nos departamentos de comunicação e marketing, muitas empresas decidiram criar áreas especificas para operacionalizar as mudanças necessárias. Em conversa com uma amiga demo-nos conta que, infelizmente, muitas vezes a função dessas áreas tem sido cada vez mais deturpada, desviando recursos valiosos – os profissionais que lá trabalham – para projetos que pouco ou nada impactam na mudança da cultura da empresa. E é esse o objetivo de um departamento de RSE: mudança da cultura empresarial. Hoje é bastante comum vermos a área de RSE cuidar da coleta seletiva ou reciclagem, dos dias da mãe/pai/tio/mulher/negro/índio/trabalhador/etc, da manutenção de parte do endomarketing ou comunicação interna, de parte da capacitação etc. Em alguns casos a área de RSE é até confundida com o sindicato da empresa ou mesmo com uma espécie de ouvidoria interna ou ombudsman. Isso é sinal tanto de uma falta de estrutura interna para acolher a mudança, como da falta de foco da própria área. Em muitos casos é sinal de que, nitidamente, a carroça foi colocada na frente dos bois.
 
Já ouço a pergunta que vale 1 milhão: mas se não é a área de RSE que deve cuidar desses assuntos, quem deve? É relativamente simples responder a essa pergunta se pensarmos uma área que trata de RSE e/ou Sustentabilidade como uma área com data limite, com prazo marcado para extinção. Quem trataria dos temas acima citados, se não houvesse a área de RSE? Provavelmente ficariam divididos entre quem cuida de pessoas, de comunicação, de administração etc., não é? O foco de uma célula de RSE ou de Sustentabilidade é e deve ser estratégico, consultivo. Não é uma área operacional. O seu objetivo não é “apagar o fogo”, mas sim e unicamente criar sistemas e estrutura para que “o fogo nunca acenda de novo”. É uma atitude preventiva bem mais do que reativa. Basta olhar com atenção para as 3 ferramentas principais da RSE no Brasil – ISO 26000, Pacto Global e Indicadores Ethos – para concluir que os temas tratados são absolutamente estratégicos e não podem depender de uma área sem suficiente poder executivo. Enquanto a célula de RSE não tiver poder para forçar as mudanças necessárias, ela continuará no seu papel superficialmente cosmético. Então qual é a solução? A minha sensação é que no fundo é relativamente simples. Ou se empodera claramente essas áreas para que elas possam agir diretamente na operação ou sistemas que impactam diretamente a cultura empresarial, ou o tema tem de subir um nível e passa a ser tratado no Conselho de Administração, como demandas imperativas para serem executadas pelo corpo de gestão. Tudo o resto é cosmética e greenwashing. Sem dizer que é uma enorme palhaçada...

quinta-feira, 8 de março de 2012

As desconhecidas que impactaram a minha vida

Como é apropriado, vou falar hoje sobre o Dia Internacional da Mulher. Mas ao pensar no assunto, decidi que queria tentar fazer uma abordagem diferente do tema.

Normalmente, faria um levantamento histórico da razão da existência deste dia, dos avanços obtidos para as mulheres nos últimos séculos, do espaço delas no mundo empresarial em geral, do tratamento do tema na publicidade, do Programa Pró-equidade de gênero e raça, etc, etc. Mas isso tudo, qualquer pessoa “com dois dedos de testa” e um acesso razoável à internet, consegue ter sem muito esforço. Até ajudei um pouco aí.
 
Então, pensei aqui com os meus botões que outro tipo de homenagem poderia prestar ao famoso – e preconceituosamente chamado – “sexo frágil” ou “sexo fraco”. E decidi falar das mulheres desconhecidas que tiveram impacto na minha vida. Desconhecidas para vocês, é claro. ;)
 
Tenho que começar, obviamente, pelo círculo mais próximo, o círculo familiar:
  • Tudo começa com a mãe, não é? Uma mulher inteligente e forte que, claro, complexos de Édipo de lado, serviria de referência para todas as outras mulheres que conheci depois. Ela conseguiu a proeza de ser filha, mãe, profissional e amiga em continentes e culturas diferentes, sem perder um olhar inocente e cândido sobre as pessoas. Se há uma coisa que admiro nela é a capacidade de ver o bem nas pessoas, de extrair e de despertar o que há de melhor nelas. E minha mãe sabe bem o que é ser mulher nessas diferentes culturas. Saiu vitoriosa de cada um destes embates culturais.
  • A minha avó materna também foi presente no nosso crescimento, sempre com aquele típico olhar carinhoso que os avós têm. Estava presente no dia a dia, curando todas as feridas das loucuras que as crianças inventavam para tornar o dia mais interessante lá no fundo da África Ocidental. Não há nada como carinho de avó. O meu filho que o diga, hoje.
  • Depois, há a minha irmã, que sempre foi a mais rebelde, com opiniões próprias, e isso desde criança. Brigávamos o tempo inteiro porque ela queria crescer mais depressa do que a natureza deixava. Hoje, é mãe de um casal de crianças lindas (a terceira está a caminho). Mas continua casmurra como sempre, porém, me desdobro muito para dar conselhos a ela. Embora minha irmã e eu vivamos, hoje, em continentes diferentes, acho que em nossa vida adulta, nunca estivemos tão próximos.
  • Também há a minha ex-esposa, uma mulher brilhante, com uma sensibilidade à flor da pele e que hoje trabalha, precisamente, com o tema de equidade de gênero. O impacto dela em minha vida foi obviamente gigantesco. Aprendi com ela a ser transparente. Pode parecer pouco, mas não é, acreditem. O fato de hoje eu trabalhar com temas sociais também foi resultado de um estímulo dela.
Saindo do círculo familiar:
  • Lembro-me de uma empregada que tivemos quando ainda morávamos em Bissau, capital de Guiné-Bissau. A mulher tinha 1,40 m (se tanto) e fazia de tudo para que não nos faltasse nada. Fazia parte da família. Com ela, aprendi que empatia nada tinha a ver com idade, cultura, cor de pele etc. Nosso maior prazer era ouvir as historias de infância dela.
  • Como todo rapaz, tive a minha primeira paixão. E foi por uma professora de matemática. Ela despertou em mim o prazer das exatas e o pragmatismo dos números. Quis ser cientista por causa dela. Infelizmente, outra professora de matemática destruiu paulatinamente esse desejo e meu sonho acabou no penúltimo ano do secundário. Não podia ser tudo um sonho, não é?
  • A diretora do meu liceu, certa vez, me disse uma frase que me lembro até hoje: nada é gratuito. Ela me falou isso num dia em quem me expulsava do liceu por algo que eu tinha feito. Sim, foi castigo merecido. ;)
  • Profissionalmente, também cruzei com mulheres admiráveis. Algumas delas trabalham por perto até hoje. Muitas dessas mulheres começaram a fazer parte da minha vida como meras colegas de trabalho para, depois, se tornarem amigas próximas. Em alguns casos – poucos, felizmente – encontrei mulheres que tentavam ser mais homens que os homens. Tive uma chefe assim quando trabalhei com supermercados. Detestei cada minuto do trabalho com ela. Mas, mesmo assim, reconhecia o esforço que ela tinha que fazer para ser vista como igual aos colegas dela, que eram todos homens. Não devia ser fácil para ela. Porém, me demiti do cargo por causa dela, é um fato.
Num mundo masculinizado como o nosso, a verdade é que tendemos a prestar pouca atenção à quantidade gigantesca de mulheres que impactam as nossas vidas diariamente.
 
E para vocês? Quais são as heroínas desconhecidas? Contem suas histórias!

quinta-feira, 1 de março de 2012

A religião e o Estado laico

Na festa de final de ano da escola pública do meu filho, no fim do ano passado, fomos surpreendidos, após as atuações dos alunos, com um canto religioso. Foi como se estivéssemos numa igreja. Mas não estávamos. Estávamos numa instituição pública de ensino, supostamente laica.

Pensei que talvez também fossem cantar algo para as outras religiões, o que obviamente não aconteceu. Coincidentemente, estava à minha frente uma mãe muçulmana, tirando fotos dos filhos. Notei o desconforto de alguns pais – minoria à qual eu pertencia – e tentei imaginar como aquela mãe devia se sentir.

Esperei pelo fim da celebração e fui conversar com a diretora da escola, que, curiosamente, era a mestre de cerimônia do evento, inclusive do cântico final. Disse-lhe que tinha me sentido incomodado por duas razões. A primeira era a presença da religião numa escola pública e a segunda era a unilateralidade religiosa no evento.

Para o segundo argumento, ela tentou me explicar que eles tratavam o assunto de forma bastante aberta e que todas as religiões eram bem-vindas na escola, ao que retorqui que não era bem assim, já que a realidade parecia ser outra. Não tínhamos ouvido nenhum canto muçulmano, hindu, espírita, budista, umbandista, judaico etc. Sobre o meu primeiro comentário, nem chegamos a tocar no assunto.

Como isso aconteceu no final do ano, ela me convidou para discutir o assunto este ano, assim que a escola voltasse a funcionar. As aulas recomeçaram esta semana, já cruzei com a diretora na escola e ela ainda não me falou de quando teremos a conversa.

O debate religioso nas sociedades modernas é muito complexo. Os dois “campos” não são minimamente abertos ao diálogo, ao meio termo, ao consenso. A religião, aliás, é um daqueles três temas mais difíceis de serem discutidos, mesmo entre pessoas civilizadas, ao lado da política e do futebol.

Cresci entre duas avós religiosas, uma católica e a outra protestante. Ia à missa aos domingos com meus irmãos – embora eu mesmo não entendesse muito bem porque precisava de um padre para falar com Deus. Fomos batizados e fizemos catequese. Fazia essas coisas porque nossas avós ou uma tia nos levavam à igreja. Os meus pais nunca nos estimularam a sermos católicos ou protestantes. Hoje, algumas das crianças que pertenciam a esse círculo são religiosas, outras não.

Da mesma forma, hoje não incentivo o meu filho de 10 anos a ser católico, protestante, budista, muçulmano, hindu etc. Mas também não o incentivo a ser agnóstico ou ateu. Quando ele pergunta sobre o assunto, tento lhe explicar com a melhor das minhas habilidades o que representa cada um, quais são as origens, deveres, responsabilidades de cada possibilidade. E espero que, com o tempo, ele faça a escolha dele, da mesma forma que fiz a minha.

A fé do meu filho deve ser uma escolha totalmente dele. As instituições do Estado, que servem a todos de forma equitativa e igualitária, não devem interferir nesse processo. Ele mesmo decidirá, em seu tempo, se quer ter ou não uma religião. Tem que ser uma escolha dele, pois quando for questionado – e todos sabemos que o será, seja qual for a sua escolha –, só ele poderá arranjar os argumentos para alicerçar a sua defesa.