sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O silêncio dos coniventes

History will have to record that the greatest tragedy of this period of social transition was not the strident clamor of the bad people, but the appalling silence of the good people. (Martin Luther King)

Ontem, no caradelivro, eu repliquei esta imagem. O post está aqui. O meu amigo Miguel​ me corrigiu logo, dizendo afinal esta fotografias não são o que dizem ser. Esta imagens são da Albânia, em 1991. Isso me levou a pesquisar um pouco mais. Em 8 de agosto de 1991, cerca de 15 mil imigrantes Albaneses chegaram às costas italianas em vários barcos, na esperança de de uma vida melhor do que a que tinham em casa. Pelo pouco que li e me lembro, a reação italiana não foi muito diferente da reação de muitos países europeus, hoje, perante os refugiados sírios. Alguns foram recebidos, muitos foram recambiados ou morreram. Querem saber mais sobre isso, comecem aqui e sigam a trilha.

Entendo perfeitamente objetivo da pessoa que criou essa desinformação. Embora o objetivo seja honroso, a estratégia é desonesta e mina o próprio resultado que quer atingir. Um processo, no mínimo, autofágico. Como o Miguel comentou no meu post, " compreendo o propósito, mas, com desinformação não chegamos a lugar nenhum".

Então tentei verificar se era possível atingir os mesmo objetivos, com métodos corretos. Infelizmente, muito infelizmente, é uma tarefa tão fácil. As guerras europeias (que depois se tornaram mundiais) também fizeram milhares, senão milhões de cidadãos tentar fugir para regiões mais seguras. E não vou usar o argumento tristemente evidente do holocausto, muito embora, no mínimo deveriam se lembrar disso.

Durante a primeira guerra mundial, cerca de 250 mil belgas atravessaram o Canal da Mancha em direção da Inglaterra. Contrariamente aos sírios de hoje, esses foram considerados heróis. E dizer "Ahh, mas é diferente. Na época, tratava-se de uma guerra mundial". Pois bem, meu querido. Tira a cabeça desse lugar escuro onde o Sol nunca brilha e verás que a situação da Síria de hoje é muito similar ao da Bélgica na altura. Contextualiza e usa uma coisa chamada perspectividade.

Estima-se que existem hoje, cerca de 3 milhões de refugiados sírios. Há um século atrás eram 10 milhões de europeus que fugiam a guerra. O exercício de empatia não é assim tão difícil de fazer.

Para reflexão, alguns números gratuitos, de 2013:
    • A Inglaterra tem 1,2 milhões de imigrantes na Austrália, 600 mil no Canadá, 700 mil nos Estados Unidos, 300 mil na Africa do Sul e quase 400 mil em Espanha.
    • A Áustria tem 200 mil imigrantes na Alemanha e 120 mil espalhados entre a Suíça e os EUA.
    • A França tem 100 mil no Canadá, 180 mil nos EUA, 200 mil em Espanha, 100 mil em Portugal, 150 mil na Itália, outros 150 na Alemanha.
    • A Alemanha tem quase 700 mil nos EUA, 200 mil no Canadá, 300 mil na Inglaterra, 230 mil em França, 400 mil na Turquia, 130 mil na Rússia.
    • Portugal tem 650 mil em França, 140 mil no Brasil (estou nesse número), 350 mil espalhados entre o Canadá e os EUA, 100 na Alemanha e 200 mil na Suíça.
    • A Suíça, só por curiosidade, esse banqueiro do Mundo, tem 200 mil na Itália, 100 mil na França, quase 100 mil na península ibérica e 50 mil na América do norte.
    • E o Brasil tem 360 mil nos EUA (reza a lenda que esse numero vai aumentar), 360 mil no Japão, 260 na península ibérica, mais de 100 mil na Itália.
Alguma vez, aqui, eu devo ter comentado a dificuldade que tenho em entender o conceito de nacionalidade. Minto. Entendo o conceito, mas não o consigo computar, assimilar. Não entendo como eu sou um ser humano diferente do outro, unicamente baseado no lado da linha imaginária que nos separou ao nascer. Fronteiras. Este lado é meu, aquele é teu. Até um país achar que o lado dele precisa crescer, pouco importem os meios. A física básica não permitindo uma expansão contínua (quantidade limitada de terra firme), então o jeito é porrada. Quem chegou primeiro é o dono da terra? Tudo muito confuso...orgulho de ser [preencher com qualquer nacionalidade]? Orgulho de ter, por um ato de total aleatoriedade, nascido num lugar e não outro? Orgulho? Não entendo como posso ter orgulho de algo que não dependeu em absolutamente nada, de uma ação, atitude, decisão ou escolha minha. Não consigo computar isso.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Viver e conviver com limites...

Há umas semanas que penso em escrever este texto.

Vários momentos me fizeram pensar no assunto.

O tema surgiu exatamente depois do atentado bárbaro que matou os cartunistas do Charlie Hebdo. Lembro-me que, durante o que era para ser um tranquilo churrasco familiar, acabamos tendo uma discussão calorosa e surreal sobre o quanto se pode fazer piada com tudo ou não, o quanto a liberdade de expressão não pode ser comprometida pelo medo do obscurantismo dos extremistas religiosos. Tenho amigos abundantemente vocais nessa defesa. E familiares também. E, por estranho que pareça, os dois me assustam. E já explicarei porquê.

A questão de viver com limites também me veio ao observar a forma como muitas crianças são educadas hoje. Digo muitas, porque, de fato não tenho dados estatísticos concertos para usar a palavra “maioria”. Talvez, por eu ter tido uma educação "à antiga" (leia-se "medieval", quando comparada aos padrões atuais), incomoda-me muito a tendência de total liberdade que as crianças de hoje têm. Pode dizer o que bem lhe der na cabeça, fazer o que bem lhes apetece, sob o pretexto que a criatividade não deve ser enjaulada, castrada etc, etc.

Limites. Acredito em limites. Chamem-me de velho ranzinza, mas eu associo limites a respeito. E respeito não se obtém pela força. Isso é medo e sobre medo já falei aqui. O que não quer dizer que não deva haver respeito pela força.

Sempre me ensinaram que a minha liberdade acabava onde começava a liberdade do outro. E vice-versa. É uma coisa de física. Não dá para a minha liberdade não ter limites, não existe planeta suficientemente grande para abrigar os egos sobredimensionados de 6 bilhões de almas. Tem de haver limites. Sempre foi assim, porque raios agora deveria ser diferente?

A única forma de não haver limites é se fossemos todos iguais, gostássemos todos da mesma coisa, uma única massa andrógena e uniformizada (algo que nunca foi imaginado e até tentado por ninguém, certo?). Vi, algures por aí esta frase da antropóloga estadunidense Gail Rubin: "sonho que mais me atrai é o de uma sociedade andrógina e sem gênero". Posso estar a usar essa frase fora de algum contexto específico, mas eu tenho pavor dessa sociedade. É óbvio que a vantagem dessa sociedade seria de, de fato, acabar com todos os tipos de preconceito, já que, em principio, eu nunca serei preconceituoso comigo mesmo. Mas ela também acaba com um conceito que considero basilar para qualquer convivência: respeito.

Respeito é o fundamento do civismo, da capacidade de conviver com a diferença, com o outro que, mesmo quando é igual a mim, ainda continua sendo o outro. O dicionário diz que respeito vem do latim para "olhar outra vez". Gosto desse conceito. Ele exige a capacidade de tentar olhar de uma forma diferente do primeiro olhar, um olhar mais permeável, mais atento às diferenças. Um olhar com mais capacidade de empatia e aceitação.

Conviver é outra palavra importante. Parte de um pressuposto de falta de escolha. Os membros de uma família são "obrigados" a conviver juntos, os casais também, os cidadãos são, os países são, as culturas são. Temos um espaço físico limitado que nos obriga a conviver (a maioria, pelo menos. Existe sempre a possibilidade de se tornar ermita).

E depois desse blá blá todo, na prática o que resta? Resta que eu não sou Charlie. Não acho que se possa fazer humor com qualquer coisa, E a maioria das pessoas que dizem isso, provavelmente reagiriam com agressividade se fossem alvos específicos desse humor. Também não sou contra Charlie, não acho que "mereceu", como li e ouvi em muitos momentos. Ninguém "merece morrer" por fazer o seu trabalho. Acho que o "Estado Islâmico" deve ser combatido com armas, sim. Junto com todos os outros extremistas. Num mundo utópico, eles poderiam viver juntos numa ilha, longe do resto da humanidade que aceita conviver pacificamente. No mundo real eles, já que eles não entendem a abordagem diplomática, falada, conversada, a abordagem da força e da autoridade pode e deve ser um caminho viável.
O mesmo vale para as crianças, com as devidas adequações, claro (por mais que, por vezes dê vontade de usar bazuca com o pirralho, ainda existem outras abordagens menos...digamos...dramáticas). Em última instância, a criança tem de saber o significado de ação/reação, de consequência, de limites, de convivência, de força, de respeito. Qualquer educação que não consiga passar isso para uma criança, cedo ou tarde - e, nesse quesito, sou da escola "cedo é que se torce o pepino" - vai criar um ser associal. É, no fundo, uma lógica bastante simples. Eu tento educar o meu filho para ele não ter medo, mas ter noção e respeito pelas coisas. Não quero que ele ache que pode ir enfrentar gratuitamente outro menino com duas vezes o tamanho dele. Mas, se o outro com duas vezes o tamanho, abusar da força, vale a defesa. É uma faca de dois gumes.

domingo, 26 de maio de 2013

E terminei...

Meses sem colocar aqui uma palavra...não quer dizer que abandonei o sonho de um Mundo melhor, longe disso. Apenas tive de escolher outros caminhos. Dizem que temos que cuidar de nós antes de sermos capazes de cuidar dos outros. Maybe. Just maybe...

Portem-se bem e sejam justos. Sempre!
Peace out!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Perspectivas...

Eu sei, eu sei. Há meses que não nasce nada aqui. As teias de aranha se instalaram, sem dúvida. Mas não morremos. Apenas mudamos. A explicação básica do silencio é que deixei de trabalhar diretamente com estes temas. Até hoje - e já passaram uns 6 meses, salvo erro - não sei se é "felizmente" ou "infelizmente". Sempre pensei que a máquina só poderia ser mudada partindo de dentro. Contradizendo diretamente esse pensamento, durante 2 anos tentei enfrentá-la de frente. Resultado: a minha equipe e eu transformamo-nos num magnífico bibelot, um enfeite, num prêmio de greenwashing que é exibido em cima da prateleira da sala de reuniões da empresa. Cansei. Voltei para a área de negócios, onde eventualmente consigo imprimir, influenciar, provocar a mudança de forma menos espetacular, mais insidiosa, mas claramente mais duradoura. Pelo menos é como funciona o discurso de autoconvencimento.

Mas chega de explicações. Bola para a frente. A luta continua...

Até eu - que não lê jornais, não liga TV - já vi o reboliço provocado pela visita ao Brasil de uma certa blogueira cubana. A minha fonte de atualidade tem sido simplesmente o "mural" do caradelivro. Aproveito a complacência dos amigos altamente atualizados (e atuantes, para muitos) para manter o dedo no pulso do mundo). Assim acompanhei, não necessariamente nessa ordem:
  • A tentativa de redução da maioridade penal, visto como a solução para todos os males. Minha opinião? Que mais uma vez olhamos para o problema pela perspectiva errada. Then again...a minha perspectiva também pode estar errada...
  • A mediática volta de Renan, numa magnifica exibição/demonstração de maquiavelismo político (sem julgamento, gente. Sério, é apenas uma constatação).
  • A crise em Portugal e na Europa, em geral, que parece ser quase literalmente um poço sem fundo. As soluções de austeridade parecem não surtir outro efeito senão aumentar o descontentamento de um povo que parece estranhamente dócil ou anestesiado e exausto.
  • A renuncia do papa bento-não-sei-das-quantas e possível ascensão ao poder do primeiro papa negro, homofóbico e defensor da pena de morte. Aqui entre nós, espero que este ganhe. De verdade. Sem absolutamente nenhum cinismo ou ironia. Ele tem o meu voto.
  • A queda abismal de um herói na pessoa do corredor Oscar Pistorius que matou a namorada no dia de São Valentim. Até hoje não percebi se afinal foi acidente ou crime passional mesmo.
  • Etc...
A última notícia - razão que me tirou do silêncio - foi a visita ao Brasil da blogueira cubana Yoani Sánchez, de quem nunca tinha ouvido falar. E qual é discussão desta vez? Uns acham que ela é uma mentirosa patológica financiada pela inteligencia dissidente cubana em conivência estreita com os corredores do poder estadunidenses. Outros acham que ela é o arauto heroico dos filhos renegados de Castro e Guevara. Então uns apedrejam e outros acolhem e protegem. É uma situação que me lembra muito esta imagem sobre a guerra entre crentes e ateus. Sem conhecer a tal blogueira - e sem paciência para investigar mais - eu diria que provavelmente a "verdade" há de estar algures no meio do caminho entre o fanatismo dos dois lados do muro.

Coerência? Para quê?

Don't get me wrong. O meu coração sociopolítico está também mais para o lado esquerdo. Daí a acreditar cegamente em contos de fada, vai um mundo.

O regime cubano é perfeito? Certamente que não. Lembro-me de ter ficado chocado de ouvir o Che dizer, em 64, perante a ONU
“Fusilamientos, si. Hemos fusilado. Fusilamos y seguiremos fusilando mientras sea necesario. Nuestra lucha es uma lucha a muerte”
Já escrevi neste blog, o que penso sobre a corrupção do poder. Há ou houve violações de liberdades básicas em Cuba, não tenho dúvida. Eu disse algures que o comunismo - como o capitalismo, aliás - são conceitos espetaculares. Conceitualmente. Na prática sofrem do mesmo defeito: não deram a devida atenção ao ego do homem. Simples assim.

Mas, continuando o raciocínio, certamente muita coisa em Cuba não é perfeita. Certamente que, mesmo que ela tenha um olhar parcial sobre o país dela, a blogueira diz ou disse muitas verdades, apresentou para o mundo muitas realidade que o poder local não gostaria de ver divulgadas. É de conhecimento de todas as pessoas minimamente informadas de que o regime de Cuba nunca lidou particularmente bem com a oposição. Podem sempre usar a estratégia da avestruz, se quiserem. Não tenho a mínima dúvida sobre isso. E não vejo absolutamente nenhum problema com o fato da Yoani Sánchez divulgar e/ou apontar isso. Desde que ela não invente. Não é preciso ser um gênio para perceber e aceitar, que sem oposição não existe democracia. Não é como se eu estivesse a inventar a pólvora ao dizer isso. Posso não concordar com o que ela disse, mas daí a vilipendiá-la como se ela fosse a última responsável pelo genocídio do Ruanda? Haja bom-senso. Não me recordo quem, mas alguma figura disse um dia algo como "não concordo com o que dizes, mas lutarei até á morte pelo direito de o dizeres".

Por outro lado, mesmo longe de ser perfeito, um outro ponto de vista sobre Cuba foi filmado pelo Michel Moore no documentário "Sicko". Ali, a avaliação é que, com muito sofrimento, o regime garante uma série de benefícios para todas as classes sociais do país - saúde e infraestrutura, essencialmente - de forma justa e igualitária, algo que não existe nos estados unidos.

Duas face da mesma moeda, dois pontos de vista sobre o mesmo assunto, dois prismas, duas perspectivas de duas pessoas inteligentes - parto dessa premissa. Qual é a chance de só uma delas ter razão? No mínimo têm em comum uma visão panfletária do planeta. Muitos vão escolher campos, mas tenho sérias dúvidas se esse é o caminho...

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Fluxos migratórios do novo mundo

Faz tempo, não é? Não, o blog não morreu (espero). Apenas uma vítima colateral da minha desorganização temporal ;)

Mas, vamos lá!

No outro dia fui à “feira dos importados”, aqui em Brasília. Já não ia lá há muito tempo e encontrei uma nova realidade. Venho notando com o tempo que os “mercados populares” são um bom barômetro dos fluxos migratórios de um país. Pelo menos os “entrantes”. Quando cheguei a Brasília, há quase 7 anos atrás, havia um uma predominância de lojas mantidas por brasileiros de diversas regiões. O outro pedaço era interessantemente ocupado pelo que me pareciam ser libaneses ou tunisinos. Ou talvez turcos. Estes, normalmente eram donos das lojas de informática. Um pedaço menor era chinês. Bem menor.

Desta vez encontrei um cenário totalmente diferente. Chineses por todo o lado. Os norte-africanos parecem ter desaparecido e os brasileiros resistem bravamente.

Lembrei-me de Lisboa, da avenida almirante Reis á praça do Martim Moniz. Quando eu morava lá, as lojas da avenida pertenciam a portugueses e indianos, enquanto os dois “shoppings” estava majoritariamente ocupados pelas ex-colonias africanas – Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, essencialmente. Hoje esse panorama também mudou muito. Durante um momento, a imigração dos países eslavos tentou entrar nesse mercado, mas a barreira da língua foi demasiado forte e eles foram ocupar espaço na construção civil (para os homens) e trabalhos domésticos (para as mulheres). Durante os anos que passei lá vi uma mudança clara na sociedade que se compunha, com base nesse choque cultural. Infelizmente, os emigrantes que chegavam em busca de melhores condições de vida nem sempre tinham dinheiro sequer para comprar comida. Então, não era raro vê-los à porta dos supermercados e restaurantes na hora do encerramento, á espera do momento que os restos – ainda perfeitamente comestíveis – eram jogados no lixo, para ver se aproveitavam alguma coisa. No início, eram os africanos que esperavam. Depois de uns anos, os africanos faziam compras e pagavam no caixa, enquanto os emigrantes dos países do leste europeu – russos, bielo-russos, eslovacos, romenos – esperavam à porta. Depois, os eslovacos aprenderam a língua e, diferentemente dos africanos, puderam se identificar para o mercado como médicos, economistas, sociólogos e cientistas que eram. Foram se inserindo pouco a pouco na sociedade até serem substituídos à porta dos restaurantes pelos recém-chegados chineses e coreanos.

O meu passeio pela “feira dos importados” me levou de volta ao mesmo pensamento que eu tinha formulado com a imigração asiática em Lisboa: a falta de inserção é impressionante. E sempre me pergunto porquê. Na feira, como em Lisboa, eles mal falam português e no entanto dominam completamente a praça. As lojas de roupas, óculos, bijuteria e perfumaria barata, relógios e eletrônicos são todas deles.
 
Detesto esse “deles” porque me distancia involuntariamente. É tão fácil cair na armadilha do “eles” e “nós”, facilitado pelo incapacidade preconceituosa em distingui-los uns dos outros (imagino que eles também tenham a maior das dificuldades em distinguir um português de um espanhol, um italiano de um francês, um brasileiro de um argentino,etc.
 
A verdade é que me senti triste por eles ao ponto de fugir da feira sem resolver o problema que me tinha levado lá.
 
Para entender de onde veio a minha tristeza, aconselho o documentário abaixo, intitulado “Last train home”. O documentário toca unicamente no tema do fluxo migratório no novo ano chinês. Transponham isso à escala planetária.
A solidão deve ser surreal, talvez a razão de eles formarem grupos tão fechados, tão herméticos e coesos, onde quer que estejam. Falam pouco com os locais, as crianças brincam entre elas – pelo menos até entrarem na escola, a comida também é de “lá” ou o mais de “lá” que os ingredientes daqui permitiram. E têm certamente todos os problemas que enfrentamos no dia a dia, sejam eles com o preço da gasolina, como com a educação das crianças, inserção social, sexualidade,amor, etc. Tudo.
 
Enfim, uma situação triste causada mais uma vez pela globalização. O trabalho escravo não desapareceu. Apenas tomou nova cara, se deslocou, se pintou com outras cores. E são quase sempre os mesmo que pagam a conta. Infelizmente. Apenas um desabafo...

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Carros, carros, carros e mais carros...

Na semana passada eu fui buscar a minha mãe no aeroporto. Ela esteve fora durante mais de um mês e durante esse tempo eu estava com o carro dela. Fui deixá-la em casa no meio da tarde e depois, como tinha de voltar para o escritório, decidi deixar logo o carro com ela e voltar de ônibus. E foi mais um daqueles momentos que confirmam que o carro é mais um objeto que não deveria fazer falta nas nossas vidas. Eu vinha num ônibus que foi ficando progressivamente cheio, mas isso não me incomodou. Na realidade eu me sinto bem nos transportes públicos, é o que faz sentido para mim. Eu até gosto de dirigir, mas preferia dirigir apenas para viajar de férias ou ir fazer compras, coisas assim. E a rede de transporte público em Brasília é péssima. No “plano” – centro desta cidade estranha – há muitas linhas em funcionamento, mas a maioria é composta de carros velhos e descuidados. São raros os ônibus novos, confortáveis e em bom estado. Da mesma forma, a linha de metrô só serve um lado da cidade, e ainda assim de forma precária, pois demoram muito, estão sempre abarrotados durante o horário de ponta, encerram cedo durante o fim de semana, etc. E isso parece não ser uma exclusividade de Brasília. Já estive de férias em São Paulo e no Rio e tive a mesmíssima impressão dos ônibus de lá. A rede de metrô de São Paulo parece uma manta de retalhos com linhas desiguais e conexões e prolongamentos estranhos. O metrô do Rio me pareceu novo e confortabilíssimo.
 
Absorto nos meus pensamentos enquanto estava no ônibus, lembrei-me do quanto eu gostava de viver numa cidade onde eu não precisasse do carro para nada. É um sonho. E das poucas cidades que conheci acho que apenas Paris me ofereceu isso. A rede de metrô de lá é surreal. Há 20 anos atrás já existiam mais de 20 linhas que podiam levar qualquer pessoa de um ponto a outro da cidade em cerca de 30 minutos. Nem tudo era perfeito, claro. A proliferação de linhas transformou a cidade num queijo suíço, além de ser um desafio para qualquer pessoa tentar se orientar lá. Mas no computo geral, podia viver sem carro. Em Lisboa também foi um pouco assim, a uma escala bem menor. Além de andar muito mais a pé – coisa que gosto muito – eu usava muito mais o ônibus em Lisboa e vivi anos sem carro. Morávamos no centro da cidade e lembro-me da rotina de ir levar o filhote à escola e seguir para o trabalho, tudo a pé. Em Brasília, decidi morar no plano precisamente para não precisar de carro. Claro que já sonhei com um carro bonito, confortável, automático, com bom som – adoro música – ar condicionado, computador de bordo, sensor de estacionamento e todas as traquitanas que o dinheiro pode comprar. Mas felizmente esse desejo nunca foi forte o suficiente para eu procurar realizá-lo. Sempre passou com o tempo. Hoje tenho um carro emprestado – do meu irmão que se mudou – e ando nele por preguiça assumida. Ainda vou arranjar uma forma de o vender, mandar o dinheiro para ele e voltar a andar a pé e de bicicleta (já não ando de bicicleta há mais de 6 meses...).
 
E assim me pergunto hoje, porque raio é assim tão difícil desenvolver uma rede razoável de transportes públicos? A única forma de fazer as pessoas pararem de usar os carros, pararem de comprar carros. É assustadora a quantidade de carros que se vendem por dia. Na TV do elevador aqui do prédio onde trabalho tem aparecido uma publicidade recorrente de uma concessionária festejando o marco de mais de 5 mil carros vendidos no primeiro semestre deste ano, só em Brasília! E é só uma concessionária! Eu tremo cada vez que vejo esse numero que eles vendem como se fosse a melhor notícia do mundo desde a invenção do pente para carecas. Eu não acredito na famosa “carona solidária”. Não acredito mesmo. Pessoas aceitando partilhar algo seu com desconhecidos? No way, Jose! Talvez em outra evolução do ser humano. Nesta vida onde somos seres egoístas, com sentimento de posse – ensinada às crianças desde pequenas (as crianças não dão, elas emprestam...) – não creio que o famoso car-pooling seja solução. Os transportes públicos, por outro lado, não são de ninguém e são de todos ao mesmo tempo. Não tenho números concretos para suportar a minha teoria, mas tenho a sensação que a grande maioria das pessoas optariam por usar transportes públicos se estes fossem confortáveis, limpos e rápidos.
 
Então repito a pergunta: porque é assim tão difícil? Falta de dinheiro nos orçamentos públicos? Naahh, não pode ser. O orçamento de infraestrutura é bastante expressivo e faz parte dos 3 mais importantes gastos dos governos, em geral, junto com saúde e defesa, salvo erro (nota á parte: pena que educação não faz parte desse grupo). Então qual é a razão? Vontade política? Não pode ser. Acabou agora a Rio +20 que foi uma suprema decepção. Mas todos concordam – creio – que andamos a destruir o planeta. Não me venham com aquela conversa de que é “conversa de ecochatos”. São fatos. Os recurso do planeta não suportarão o nosso padrão por muito mais tempo. A única dúvida é precisamente essa: quanto tempo. 20 anos? 100 anos? Não faço ideia. Mas que pelo caminhar da carruagem vai tudo pró brejo, vai sim. Deal with it! Que outra razão pode existir? Falta de foco? Visão mercantilista a curto prazo? Talvez. É verdade que vejo todo o tipo de incentivos à baixa de impostos e taxas para compra de carros. Paralelamente a isso os combustíveis são supertaxados – bela fonte de receita – e o álcool (para aqueles que como eu colocam álcool no carro, independentemente de ser “pior para a carteira”) é caríssimo. Ou seja, o governo incentiva a venda de carros e ganha um dinheirão com o combustível necessário para estes andarem. Hmm, ok. Não sabia que os governos usavam o long tail! Nem sequer e inovador, pois os dealers de drogas já fazem isso há algum tempo. Entendo. Não aceito nem compartilho, mas entendo a lógica.
 
Então o que nos resta? No mundo atual, incentivar o modelo de transporte público em massa. Sim, façam aviões que possam levar ás quinhentas e mil pessoas ao mesmo tempo, barcos que levem aldeias inteiras mar afora. Pelo menos sinto que os danos serão “menos piores”. Paralelamente a isso, espero que encontrem uma forma de usar energias alternativas renováveis e não agressivas para o meio ambiente, para alimentar essas máquinas todas. Por mim, poderiam até colocar os passageiros todos a pedalar para ir de um lado para outro. Seria mais barato, ecológico e certamente um solução para o surto de obesidade mórbida das últimas décadas!!
 
Meu sonho? De verdade? Que alguém descubra finalmente o segredo da teleportação. Sério!

terça-feira, 26 de junho de 2012

Qual é o segredo do engajamento?

Há uns anos que escrevo neste blog – não parece, não é? Quando comecei, eu tinha identificado 3 temas que sabia serem os mais difíceis de tratar: política, religião e futebol. Acabei por falar um pouco mais sobre os dois primeiros. O terceiro passou batido ou foi apenas superficialmente abordado porque, francamente, estou um pouco “nem aí”.

Mas, no meio desses vários textos, de alguma forma eu sempre tentei falar de coisas que pudessem gerar alguma discussão saudável, por mais espinhoso que fosse o tema. E um grande mistério é tentar entender o que provoca o engajamento das pessoas, o que as faz dar aquele passo adicional que separa os meros leitores/espectadores dos comentadores/contribuintes. E depois entre comentadores/contribuintes e atores/participantes. Porque os temas aqui abordados acabam por ter como único intuito de provocar alguma mudança, seja ela qual for (espera-se que seja positiva, pelo menos).

Embora não haja muito segredo – para gerar interação é melhor tratar de temas polêmicos – é difícil acertar na escolha do tema polêmico. Do ponto de vista de quem escreve, são todos temas polêmicos, não é? Afinal de contas, se ele decidiu escrever sobre o assunto é porque acha suficientemente pertinente, não é? Mas do outro lado do computador, não é bem assim.

O texto que suscitou mais discussão até agora – e de longe – foi o texto sobre o laicismo no ensino público. Diretamente ou indiretamente, foi o texto que gerou mais comentários, discussões, brigas – em alguns círculos, gargalhadas – em outros círculos, sugestões, etc.

O outro tema que gerou discussão foi a política. Lembro-me que o texto sobre a publicidade comparativa em campanhas políticas gerou alguma discussão.

Tanto no caso da religião com o no da política, fico sempre fascinado pelo grau de envolvimento e fervor das pessoas – contra e a favor. Os dois “lados” não poupam energia para defender o seu ponto de vista, para tentar convencer o “inimigo”. No caso da religião a postura é compreensivelmente mais “orgânica” por se tratar de uma questão de fé. Como sou confessadamente cínico, tendo sorrir esperançadamente, pensando no dia em que essa energia será gasta na resolução dos problemas mais urgentes da humanidade – que, convenhamos pragmaticamente, não são religiosos nem políticos e muito menos, futebolísticos. E se a palavra “humanidade” vos parecer muito distante (acontece), basta olhar para o nosso redor para encontrar algum “problema” bem perto, algo tangível como os sem-abrigo, as crianças que trabalham nos semáforos, a educação, a pobreza, a falta de civismo e de ética, o consumismo, a falta de inclusão, o sexismo/racismo/nacionalismo e outros ismos, o meio ambiente e os impactos climáticos da sociedade de consumo, as energias renováveis, a tecnologia que vai salvar o mundo, etc (todos temas que foram abordados aqui em algum momento). Porque esses temas não geram tanto engajamento quanto a religião, a política ou o futebol?