quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A dificuldade de ser coerente!

Ou “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”!

Parece-me que hoje em dia podemos dizer com alguma certeza que alguns valores já são relativamente universais. (Quase) ninguém ousará enaltecer as virtudes de roubar, matar, mentir, agredir – verbalmente ou fisicamente, assediar, insultar, desviar fundos – públicos ou privados, fraudar, cometer nepotismo, etc. É de senso comum que esses defeitos humanos devem ser combatidos para o bem das sociedades civis. Mas como também sabemos que o bom senso é tudo menos comum, a busca pela coerência na nossa atuação parece-me ser uma boa ferramenta para nos tornarmos mais justos.

Eu tenho muita dificuldade em perceber porque as pessoas não são mais coerentes. Invés de nos posicionar como autênticos antros de virtudes – que certamente nunca seremos, porque não vivemos mais em consonância com o que realmente somos ou gostaríamos de ser? É tão mais simples e menos extenuante para a memória.

Tudo se resume a uma coisa relativamente simples: não posso cobrar algo que eu não pratico. Não posso pedir aos outros uma coisa que não sou capaz de fazer (atenção que estamos a falar de valores). É simples assim. Em caso nenhum posso/devo exigir de seja quem for que seja honesto, se eu mesmo não sou. Não posso pedir ao meu filho que não minta para mim, se eu minto para ele. Não posso pedir aos membros da minha equipe que me tratem com respeito e deferência se eu não mostro o mesmo para eles. Não posso pedir à minha esposa / namorada / companheira que me seja fiel, se eu não o sou. Não posso assinar pactos contra corrupção e ao mesmo tempo financiar secretamente partidos políticos. Não posso exigir que a minha empresa retire qualquer sistema de controle de presença se eu aproveito a ausência de controle para trabalhar menos. Não posso exigir a minha promoção por mérito/competência se eu mesmo, no meu papel de gerente, quando promovo alguém é porque é meu amigo ou tenho algum interesse. Etc, etc. Não faz sentido!

Coerência! É o simultaneamente o mais difícil e o mais fácil de fazer. Reparem que não se trata de sermos todos seres perfeitos, honestos, justos, cívicos, etc (embora seja um bom objetivo para se ter), mas sim de nos aceitarmos pelo que realmente somos e vivermos em conseqüência. Se não conseguimos deixar de procurar um “furo no sistema” para tirar proveito, então basta deixar de dizer que somos cívicos. As pessoas à nossa volta certamente agradecerão a honestidade.

Uma vez, um amigo meu, ateu, estava escandalizado pelo Papa João Paulo II não apregoar entre os crentes o uso do preservativo nos países africanos assolados com a AIDS. E eu lhe dizia que por mais que eu fosse agnóstico, a favor da despenalização do aborto, a favor das pesquisas em células-tronco, apesar disso eu entendia a posição do Papa. Ele estava a ser coerente com a posição dele – se não houver sexo antes do casamento, e só houver sexo dentro do casamento, a questão do preservativo não se põe. Posso discordar com a premissa, sobretudo nesse contexto, mas respeito muito a coerência do raciocínio!

Estou mais que convencido de que ser coerente e exigir coerência das pessoas que nos rodeiam – família, amigos, colegas de trabalho, políticos e governantes – é um dos caminhos para a construção de uma sociedade mais equitativa, ética, justa e onde faça sentido viver.

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