segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Partilhar é morrer um pouco...

No outro dia mandaram-me este vídeo.

Que fabuloso, não é? Onde foi parar esse instinto da partilha, visivelmente natural? O que acontece durante as nossas vidas que faz com que o ato de dividir se torne progressivamente mais sofrido? Será porque as coisas se tornam também progressivamente mais difíceis de conseguir. No vídeo o sanduíche é obtido sem nenhum esforço, então talvez por isso a partilha seja tão fácil, não é? Não vou negar a existência de pessoas naturalmente egoístas ou altruístas. É preciso de tudo para fazer um Mundo. Mas não deixo de ficar fascinado pela capacidade de corrupção das sociedades modernas.
Ao observar as crianças – tenho um filho de dez anos – é evidente a facilidade de integração que eles mostram. E quanto mais novos, mais evidente é. Lembro-me uma vez no aeroporto de Guarulhos, a nossa conexão para Brasília estava atrasada e ficamos horas numa sala de espera. E o meu filho, que tinha uns quatro ou cinco anos nessa altura, brincava com crianças que nunca tinha visto em lado nenhum – algumas delas vinham de países cuja língua ele nem falava como China ou Suécia. Os adultos estavam preocupados com a alimentação deles, hidratação etc, mas eles apenas brincavam. E quando algum dos pais dava à sua prole algo para comer, este se apressava de voltar para o seu grupinho e partilhar com os outros o suco ou barra de cereais que acabava de ganhar. E obviamente que os pais se olhavam, reticentes. Sabem aquela coisa “não deves aceitar comida – ou qualquer outra coisa – de pessoas que não conheces"? Pois. A nossa coerência era colocada em prova pelo olhar das crianças, aquele olhar que diz “Pai, e agora? Aceito ou não?”. Fascinante como todos pensavam o mesmo, embora em línguas e culturas diferentes. E obviamente que deixávamos os filhos partilharem uns com os outros, algo que nós, adultos educados e civilizados, nunca faríamos pois obedecemos a outro conjunto de regras socializantes. Ou apenas porque, algures no nosso caminho, deixamos de ser coerentes, aprendemos a ter medo do mundo lá fora, passamos a ser mais protecionistas do que é “nosso”.
Durante esta reflexão lembrei-me de outro vídeo. Lembram-se da Severn Suzuki, aquela menina de 12 anos que falou na conferencia ECO 92 (Meio Ambiente) da ONU? Entre as várias cobranças que ela fazia aos adultos, a mais interessante é a cobrança por coerência. Tantas coisas que dizemos ao nossos para fazer, e quando adultos fazemos exatamente o oposto?

E eu que achava que quando “fosse grande” seria diferente. Partilhar é mesmo morrer um pouco...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Reflexões aleatórias sobre segurança pública...

No bairro onde eu moro, a 3 ou 4 blocos da porta do meu prédio, havia uma escola de treinamento de vigilantes/seguranças. E a organização escolheu ter o nome de uma pistola usada pelo exercito nazista, durante a segunda guerra mundial. A entrada da escola se encontrava nas traseiras do prédio, num lugar com menos visibilidade e circulação. Mesmo assim confesso que não me sentia muito confortável com a presença deles. E a simbologia da arma não ajudava. Mas assumi que se eles estavam aí quando eu cheguei, provavelmente não incomodavam ninguém. E deixei passar. Relutantemente.
 
Pouco tempo depois, mudou-se para o meu prédio um policial com a família – esposa e filhinha. Conheci-o nas escadas, num dia que ele saía de bicicleta para levar a filha para a escola. Muito simpático, educado, aparentemente gente boníssima. Nessa altura eu não sabia que era policial. Só fui perceber isso um dia que nos cruzamos ao voltar do trabalho e ele estava todo equipado, arma no coldre e tudo.
 
Passou um tempo e a escola de vigilantes se mudou para o mesmo bloco que eu, 3 portas abaixo do meu prédio. Agora na rua principal, ao lado de uma escola de dança onde eu ia inscrever o meu filho para aulas de Street Dance. Agora a rua amanhece cheia de gente aguardando a abertura da escola. Claramente são pessoas das camadas mais pobres da população – vê-se que vêm de longe, muitas vezes mal tomaram o café da manhã para poder chegar a horas, ou para a inscrição, ou para as próprias aulas.
 
Entre o policial no prédio e a escola na rua, senti-me claustrofóbico. Refraseando: entre a arma no meu prédio e a escola com nome de arma na minha rua, senti-me claustrofóbico. E o fato do meu filho – e outras crianças – morarem e brincarem na rua, não muda nada da sensação. Eu sentir-me-ia assim mesmo se lá morasse sozinho. Tento fugir ao julgamento de valores, mas acabo por me perguntar sempre como o meu vizinho convive com o fato de ter uma arma no mesmo espaço onde vive a filha e a esposa. E é humanamente facílimo fazer esse “assassinato de caráter”, baseado unicamente no fato dele ter uma arma. É estranhamente fácil ser preconceituoso. O mesmo acontece com a escola. Nunca ouvi tiros, mas o primeiro pensamento que me passou pela cabeça foi que poderia ter alguma sala de treinar tiros. O infeliz nome da escola me impele a esse tipo de pensamento. Tento racionalizar o medo com dados estatísticos. No livro “Freakonomics", o economista Steven Levitt e o jornalista Stephen Dubner mostram que é consideravelmente mais perigoso ter uma piscina em casa do que uma arma de fogo. Pois. Ou seja, estatisticamente, o meu filho está mais seguro no meu prédio onde tem uma arma de fogo, do que em casa da minha mãe onde têm uma piscina. Essa é a leitura tendenciosa que normalmente temos. Mas está errada. Duplamente errada. Primeiro porque, na melhor das hipóteses ele – o meu filho – não estaria “mais seguro” mas sim “menos inseguro”. Não sei para vocês, mas para mim é uma diferença gigantesca. Segundo porque para essa teoria ser válida, teria que ser verificada “sob condições normais de temperatura e pressão”. E na minha casa não tem piscina. Nem no meu prédio.
 
Durante as eleições para deputado distrital aqui em Brasília, ouvi o spot rádio de um candidato. Coincidentemente, era um “coronel qualquer coisa”. O spot dele dizia algo como “para quê ter mais escolas, transportes públicos, hospitais etc, se você não sabe se o seu filho pode chegar vivo ao seu destino por causa da violência na cidade? É preciso mais policiais para proteger o nosso povo...”. Imaginam a minha reação, não? Porque ter mais policia na rua raramente é sinônimo de segurança? Provavelmente porque a policia hoje é mais reativa do que proativa. Quando vejo muita policia num lugar, tento desviar o meu caminho porque isso quer dizer que é um lugar muito violento, não? E isso sem contar nos casos de abuso de poder, truculência, etc. Não me entendam mal. Não sou anarquista, longe disso. E muito menos sou original ou inovador. Como muitos, apenas partilho do pensamento que o debate da segurança pública está centrado nos objetivos errados: em resolver/mitigar/reduzir os efeitos, as consequências atuais. Não é ciência da NASA: para resolver o problema definitivamente, é preciso resolver o que causa o dito problema. É como tentar erradicar um vírus. Tem gente focada em cuidar de quem foi infetado e tem quem só está focada em encontrar a vacina que cura definitivamente. Eu sei que parece simples...

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Frutos de um determinismo?

Antes de mais, um bom ano a tod@s! Que 2012 seja repleto de sucesso profissional, paz e saúde, momentos de carinho e amizade com a família e amigos! Dizem as más línguas que o mundo vai acabar no final deste ano. Se assim for, que seja no meio de pessoas queridas e com muita musica e gargalhadas!

E voltamos à nossa rotina. Eu ia escrever sobre as perspectivas deste ano, mas ao ler o texto sobre os “gênios do bem e do mal” senti vontade de desenvolver mais um pouco.

Algumas pessoas comentaram comigo como quem é “do mal” terá sempre por objetivo a destruição de algum valor, de alguma organização, de alguma coisa que é querida às pessoas “do bem”. Não sei até que ponto esse ponto de vista é compartilhado. Eu confesso que não me reconheço nessa visão do ser imóvel e imutável humano. Se há uma coisa que a história nos conta é precisamente que as coisas mudam, as sociedades mudam, evoluem. Essa evolução é consequência da evolução das pessoas, do indivíduo, não? Ou seja, parece-me um pouco contraditório com a crença que quem é “do mal” o será para sempre. Não há espaço para reabilitação e recuperação? Ou, numa visão mais religiosa, para perdão e redenção? Ou seja, o que nós somos já está escrito e decidido muito antes de termos consciência. É genético.

Parece-me ser uma visão redutora do ser humano. Da mesma forma que não acredito ser 100% “senhor do meu destino, capitão do meu barco”, também não acredito nesse grau de determinismo. A verdade, seja ela qual for, está muito provavelmente algures num meio termo.

Num texto anterior eu falava de como era possível quebrar o ciclo da pobreza. Eu vejo uma conexão clara entre estes dois textos. É incoerente acreditar consecutivamente na imutabilidade dos seres humanos “do mal” e na possibilidade de quebrar o ciclo da pobreza, no meu ver. E histórias não faltam que comprovam essa capacidade de regeneração do ser humano. Na semana passada eu estive no Lar de Crianças Nossa Senhora das Graças, em Petrópolis, rodeado de crianças que tiveram a infelicidade de viver alguns anos das suas pequenas vidas numa realidade violentíssima. E é um bálsamo para a alma ver que mesmo assim elas almejam profissões como bombeiro, polícia, advogado, etc. E quando perguntamos pela razão dessas escolhas, invariavelmente surge a resposta “para ajudar pessoas”. Se isso não é regeneração, reabilitação, redenção, então eu não sei o que é.