sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O silêncio dos coniventes

History will have to record that the greatest tragedy of this period of social transition was not the strident clamor of the bad people, but the appalling silence of the good people. (Martin Luther King)

Ontem, no caradelivro, eu repliquei esta imagem. O post está aqui. O meu amigo Miguel​ me corrigiu logo, dizendo afinal esta fotografias não são o que dizem ser. Esta imagens são da Albânia, em 1991. Isso me levou a pesquisar um pouco mais. Em 8 de agosto de 1991, cerca de 15 mil imigrantes Albaneses chegaram às costas italianas em vários barcos, na esperança de de uma vida melhor do que a que tinham em casa. Pelo pouco que li e me lembro, a reação italiana não foi muito diferente da reação de muitos países europeus, hoje, perante os refugiados sírios. Alguns foram recebidos, muitos foram recambiados ou morreram. Querem saber mais sobre isso, comecem aqui e sigam a trilha.

Entendo perfeitamente objetivo da pessoa que criou essa desinformação. Embora o objetivo seja honroso, a estratégia é desonesta e mina o próprio resultado que quer atingir. Um processo, no mínimo, autofágico. Como o Miguel comentou no meu post, " compreendo o propósito, mas, com desinformação não chegamos a lugar nenhum".

Então tentei verificar se era possível atingir os mesmo objetivos, com métodos corretos. Infelizmente, muito infelizmente, é uma tarefa tão fácil. As guerras europeias (que depois se tornaram mundiais) também fizeram milhares, senão milhões de cidadãos tentar fugir para regiões mais seguras. E não vou usar o argumento tristemente evidente do holocausto, muito embora, no mínimo deveriam se lembrar disso.

Durante a primeira guerra mundial, cerca de 250 mil belgas atravessaram o Canal da Mancha em direção da Inglaterra. Contrariamente aos sírios de hoje, esses foram considerados heróis. E dizer "Ahh, mas é diferente. Na época, tratava-se de uma guerra mundial". Pois bem, meu querido. Tira a cabeça desse lugar escuro onde o Sol nunca brilha e verás que a situação da Síria de hoje é muito similar ao da Bélgica na altura. Contextualiza e usa uma coisa chamada perspectividade.

Estima-se que existem hoje, cerca de 3 milhões de refugiados sírios. Há um século atrás eram 10 milhões de europeus que fugiam a guerra. O exercício de empatia não é assim tão difícil de fazer.

Para reflexão, alguns números gratuitos, de 2013:
    • A Inglaterra tem 1,2 milhões de imigrantes na Austrália, 600 mil no Canadá, 700 mil nos Estados Unidos, 300 mil na Africa do Sul e quase 400 mil em Espanha.
    • A Áustria tem 200 mil imigrantes na Alemanha e 120 mil espalhados entre a Suíça e os EUA.
    • A França tem 100 mil no Canadá, 180 mil nos EUA, 200 mil em Espanha, 100 mil em Portugal, 150 mil na Itália, outros 150 na Alemanha.
    • A Alemanha tem quase 700 mil nos EUA, 200 mil no Canadá, 300 mil na Inglaterra, 230 mil em França, 400 mil na Turquia, 130 mil na Rússia.
    • Portugal tem 650 mil em França, 140 mil no Brasil (estou nesse número), 350 mil espalhados entre o Canadá e os EUA, 100 na Alemanha e 200 mil na Suíça.
    • A Suíça, só por curiosidade, esse banqueiro do Mundo, tem 200 mil na Itália, 100 mil na França, quase 100 mil na península ibérica e 50 mil na América do norte.
    • E o Brasil tem 360 mil nos EUA (reza a lenda que esse numero vai aumentar), 360 mil no Japão, 260 na península ibérica, mais de 100 mil na Itália.
Alguma vez, aqui, eu devo ter comentado a dificuldade que tenho em entender o conceito de nacionalidade. Minto. Entendo o conceito, mas não o consigo computar, assimilar. Não entendo como eu sou um ser humano diferente do outro, unicamente baseado no lado da linha imaginária que nos separou ao nascer. Fronteiras. Este lado é meu, aquele é teu. Até um país achar que o lado dele precisa crescer, pouco importem os meios. A física básica não permitindo uma expansão contínua (quantidade limitada de terra firme), então o jeito é porrada. Quem chegou primeiro é o dono da terra? Tudo muito confuso...orgulho de ser [preencher com qualquer nacionalidade]? Orgulho de ter, por um ato de total aleatoriedade, nascido num lugar e não outro? Orgulho? Não entendo como posso ter orgulho de algo que não dependeu em absolutamente nada, de uma ação, atitude, decisão ou escolha minha. Não consigo computar isso.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Viver e conviver com limites...

Há umas semanas que penso em escrever este texto.

Vários momentos me fizeram pensar no assunto.

O tema surgiu exatamente depois do atentado bárbaro que matou os cartunistas do Charlie Hebdo. Lembro-me que, durante o que era para ser um tranquilo churrasco familiar, acabamos tendo uma discussão calorosa e surreal sobre o quanto se pode fazer piada com tudo ou não, o quanto a liberdade de expressão não pode ser comprometida pelo medo do obscurantismo dos extremistas religiosos. Tenho amigos abundantemente vocais nessa defesa. E familiares também. E, por estranho que pareça, os dois me assustam. E já explicarei porquê.

A questão de viver com limites também me veio ao observar a forma como muitas crianças são educadas hoje. Digo muitas, porque, de fato não tenho dados estatísticos concertos para usar a palavra “maioria”. Talvez, por eu ter tido uma educação "à antiga" (leia-se "medieval", quando comparada aos padrões atuais), incomoda-me muito a tendência de total liberdade que as crianças de hoje têm. Pode dizer o que bem lhe der na cabeça, fazer o que bem lhes apetece, sob o pretexto que a criatividade não deve ser enjaulada, castrada etc, etc.

Limites. Acredito em limites. Chamem-me de velho ranzinza, mas eu associo limites a respeito. E respeito não se obtém pela força. Isso é medo e sobre medo já falei aqui. O que não quer dizer que não deva haver respeito pela força.

Sempre me ensinaram que a minha liberdade acabava onde começava a liberdade do outro. E vice-versa. É uma coisa de física. Não dá para a minha liberdade não ter limites, não existe planeta suficientemente grande para abrigar os egos sobredimensionados de 6 bilhões de almas. Tem de haver limites. Sempre foi assim, porque raios agora deveria ser diferente?

A única forma de não haver limites é se fossemos todos iguais, gostássemos todos da mesma coisa, uma única massa andrógena e uniformizada (algo que nunca foi imaginado e até tentado por ninguém, certo?). Vi, algures por aí esta frase da antropóloga estadunidense Gail Rubin: "sonho que mais me atrai é o de uma sociedade andrógina e sem gênero". Posso estar a usar essa frase fora de algum contexto específico, mas eu tenho pavor dessa sociedade. É óbvio que a vantagem dessa sociedade seria de, de fato, acabar com todos os tipos de preconceito, já que, em principio, eu nunca serei preconceituoso comigo mesmo. Mas ela também acaba com um conceito que considero basilar para qualquer convivência: respeito.

Respeito é o fundamento do civismo, da capacidade de conviver com a diferença, com o outro que, mesmo quando é igual a mim, ainda continua sendo o outro. O dicionário diz que respeito vem do latim para "olhar outra vez". Gosto desse conceito. Ele exige a capacidade de tentar olhar de uma forma diferente do primeiro olhar, um olhar mais permeável, mais atento às diferenças. Um olhar com mais capacidade de empatia e aceitação.

Conviver é outra palavra importante. Parte de um pressuposto de falta de escolha. Os membros de uma família são "obrigados" a conviver juntos, os casais também, os cidadãos são, os países são, as culturas são. Temos um espaço físico limitado que nos obriga a conviver (a maioria, pelo menos. Existe sempre a possibilidade de se tornar ermita).

E depois desse blá blá todo, na prática o que resta? Resta que eu não sou Charlie. Não acho que se possa fazer humor com qualquer coisa, E a maioria das pessoas que dizem isso, provavelmente reagiriam com agressividade se fossem alvos específicos desse humor. Também não sou contra Charlie, não acho que "mereceu", como li e ouvi em muitos momentos. Ninguém "merece morrer" por fazer o seu trabalho. Acho que o "Estado Islâmico" deve ser combatido com armas, sim. Junto com todos os outros extremistas. Num mundo utópico, eles poderiam viver juntos numa ilha, longe do resto da humanidade que aceita conviver pacificamente. No mundo real eles, já que eles não entendem a abordagem diplomática, falada, conversada, a abordagem da força e da autoridade pode e deve ser um caminho viável.
O mesmo vale para as crianças, com as devidas adequações, claro (por mais que, por vezes dê vontade de usar bazuca com o pirralho, ainda existem outras abordagens menos...digamos...dramáticas). Em última instância, a criança tem de saber o significado de ação/reação, de consequência, de limites, de convivência, de força, de respeito. Qualquer educação que não consiga passar isso para uma criança, cedo ou tarde - e, nesse quesito, sou da escola "cedo é que se torce o pepino" - vai criar um ser associal. É, no fundo, uma lógica bastante simples. Eu tento educar o meu filho para ele não ter medo, mas ter noção e respeito pelas coisas. Não quero que ele ache que pode ir enfrentar gratuitamente outro menino com duas vezes o tamanho dele. Mas, se o outro com duas vezes o tamanho, abusar da força, vale a defesa. É uma faca de dois gumes.