quarta-feira, 11 de março de 2015

Viver e conviver com limites...

Há umas semanas que penso em escrever este texto.

Vários momentos me fizeram pensar no assunto.

O tema surgiu exatamente depois do atentado bárbaro que matou os cartunistas do Charlie Hebdo. Lembro-me que, durante o que era para ser um tranquilo churrasco familiar, acabamos tendo uma discussão calorosa e surreal sobre o quanto se pode fazer piada com tudo ou não, o quanto a liberdade de expressão não pode ser comprometida pelo medo do obscurantismo dos extremistas religiosos. Tenho amigos abundantemente vocais nessa defesa. E familiares também. E, por estranho que pareça, os dois me assustam. E já explicarei porquê.

A questão de viver com limites também me veio ao observar a forma como muitas crianças são educadas hoje. Digo muitas, porque, de fato não tenho dados estatísticos concertos para usar a palavra “maioria”. Talvez, por eu ter tido uma educação "à antiga" (leia-se "medieval", quando comparada aos padrões atuais), incomoda-me muito a tendência de total liberdade que as crianças de hoje têm. Pode dizer o que bem lhe der na cabeça, fazer o que bem lhes apetece, sob o pretexto que a criatividade não deve ser enjaulada, castrada etc, etc.

Limites. Acredito em limites. Chamem-me de velho ranzinza, mas eu associo limites a respeito. E respeito não se obtém pela força. Isso é medo e sobre medo já falei aqui. O que não quer dizer que não deva haver respeito pela força.

Sempre me ensinaram que a minha liberdade acabava onde começava a liberdade do outro. E vice-versa. É uma coisa de física. Não dá para a minha liberdade não ter limites, não existe planeta suficientemente grande para abrigar os egos sobredimensionados de 6 bilhões de almas. Tem de haver limites. Sempre foi assim, porque raios agora deveria ser diferente?

A única forma de não haver limites é se fossemos todos iguais, gostássemos todos da mesma coisa, uma única massa andrógena e uniformizada (algo que nunca foi imaginado e até tentado por ninguém, certo?). Vi, algures por aí esta frase da antropóloga estadunidense Gail Rubin: "sonho que mais me atrai é o de uma sociedade andrógina e sem gênero". Posso estar a usar essa frase fora de algum contexto específico, mas eu tenho pavor dessa sociedade. É óbvio que a vantagem dessa sociedade seria de, de fato, acabar com todos os tipos de preconceito, já que, em principio, eu nunca serei preconceituoso comigo mesmo. Mas ela também acaba com um conceito que considero basilar para qualquer convivência: respeito.

Respeito é o fundamento do civismo, da capacidade de conviver com a diferença, com o outro que, mesmo quando é igual a mim, ainda continua sendo o outro. O dicionário diz que respeito vem do latim para "olhar outra vez". Gosto desse conceito. Ele exige a capacidade de tentar olhar de uma forma diferente do primeiro olhar, um olhar mais permeável, mais atento às diferenças. Um olhar com mais capacidade de empatia e aceitação.

Conviver é outra palavra importante. Parte de um pressuposto de falta de escolha. Os membros de uma família são "obrigados" a conviver juntos, os casais também, os cidadãos são, os países são, as culturas são. Temos um espaço físico limitado que nos obriga a conviver (a maioria, pelo menos. Existe sempre a possibilidade de se tornar ermita).

E depois desse blá blá todo, na prática o que resta? Resta que eu não sou Charlie. Não acho que se possa fazer humor com qualquer coisa, E a maioria das pessoas que dizem isso, provavelmente reagiriam com agressividade se fossem alvos específicos desse humor. Também não sou contra Charlie, não acho que "mereceu", como li e ouvi em muitos momentos. Ninguém "merece morrer" por fazer o seu trabalho. Acho que o "Estado Islâmico" deve ser combatido com armas, sim. Junto com todos os outros extremistas. Num mundo utópico, eles poderiam viver juntos numa ilha, longe do resto da humanidade que aceita conviver pacificamente. No mundo real eles, já que eles não entendem a abordagem diplomática, falada, conversada, a abordagem da força e da autoridade pode e deve ser um caminho viável.
O mesmo vale para as crianças, com as devidas adequações, claro (por mais que, por vezes dê vontade de usar bazuca com o pirralho, ainda existem outras abordagens menos...digamos...dramáticas). Em última instância, a criança tem de saber o significado de ação/reação, de consequência, de limites, de convivência, de força, de respeito. Qualquer educação que não consiga passar isso para uma criança, cedo ou tarde - e, nesse quesito, sou da escola "cedo é que se torce o pepino" - vai criar um ser associal. É, no fundo, uma lógica bastante simples. Eu tento educar o meu filho para ele não ter medo, mas ter noção e respeito pelas coisas. Não quero que ele ache que pode ir enfrentar gratuitamente outro menino com duas vezes o tamanho dele. Mas, se o outro com duas vezes o tamanho, abusar da força, vale a defesa. É uma faca de dois gumes.

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