sexta-feira, 25 de maio de 2012

As corporações, a especulação na bolsa e o caradelivro

16 bilhões de dólares captados na abertura de capital do caradelivro (sim, teimo em chamar aquela rede assim...). Mas já vamos voltar a esse assunto.

Antes disso vou falar das corporações. Ou empresas. Ou ainda melhor, das pessoas jurídicas. O termo em si é fascinante e parte de um único pressuposto: dotar as empresas de personalidade humana, fazendo assim com que elas tenham acesso aos mesmo direitos que as pessoas físicas – não poder ser privada de vida, liberdade e propriedade, sem alguns processos/passos que garanta justiça do julgamento. Um pouco estranha a comparação entre pessoas e empresas, para não dizer injusta, mas adiante. Fascinante também é que nos EUA essa coisa da “incorporação” foi um aproveitamento de uma emenda da constituição - a 14ª - destinada a garantir cidadania aos negros. De garantir liberdade e direitos a ex-escravos, para proteção de empresas é um salto de loucos, não?

E desde quando uma empresa é um corpo? A vantagem dessa belíssima jogada é que as empresas é que “pagam” quando seus dirigentes – que são pessoas, essas realmente donas de corpos de carne e osso – são incompetentes ou desonestos. E quando digo que “as empresas é que pagam” é um belo eufemismo. Quando uma empresa fecha ou sofre um downsizing, outros corpos são despedidos. Os corpos dos ex-dirigentes normalmente se mantêm intactos...quando não recebem bônus gigantescos. Catch my drift?

Continuando.

Depois disso inventaram que a corporação podia ser dividida em partes infinitesimais e vendida para quem acreditasse na sua capacidade de gerar riqueza. Até aí não vejo nada de errado. O funcionamento me pareceu suficientemente simples: se eu acredito na empresa A, posso comprar ações dela e, quando no final do ano ela apresentar os seus resultados – que espero que sejam positivos – parte desse lucro vem para o meu bolso. É justo, pois eu terei dado o meu dinheiro para ajudar a alavancar esse resultado. É a recompensa que eu – investidor – tenho por ter apostado no futuro da empresa. E esse resultado, esse desenvolvimento é tangível. Ele se manifesta com criação de empregos, riqueza, aumento de consumo, mais investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos e melhores produtos, etc, etc.

Onde a porca torce o rabo é quando o crescimento da empresa não entra na valoração da ação, quando o preço da ação apenas sobre ou desce pela simples lógica de mercado que diz que quando a demanda é alta e o produto é raro, o preço sobe. Nesse caso o produto é a própria ação e não o que a empresa faz ou a sua solidez econômica. Ou seja, em absoluto, a ação de uma empresa pode subir mesmo se a empresa está num buraco financeiro sem fundo que, em ultima instância custará o emprego de milhares de pessoas. Nesse caso eu – investidor – não estou a apostar no futuro da empresa, mas sim e unicamente no futuro da ação, neste caso, um item altamente intangível e volátil. A crise financeira não foi mais do que isso. Na verdade até foi mais pois os financistas de plantão exerceram toda a sua arte para espremer todos os dólares fictícios possíveis dessa grande máquina com a invenção dos derivados e de uma série de outros mecanismos que o comum dos mortais como eu não entende nem quer entender...
 
E voltamos ao caradelivro. Como eu dizia, a rede social da moda captou algo como 16 bilhões de dólares na sua abertura de capital, salvo erro. Esse valor astronômico é ainda assim bem abaixo das expectativas. Hoje a empresa é avaliada em mais de 100 bilhões de dólares. O que eu acho mais fascinante dessa história é que ainda assim vários “especialistas” se mostram céticos com o(s) modelo(s) de negócio da empresa. Qual é ele? É publicidade? Hoje, a publicidade representa cerca de 80% da receita. É e-commerce? As primeiras experiências têm sido catastróficas e as e-lojas têm abandonado progressivamente o barco. É base de dados de usuário? As promessas de adaptação microscópica da oferta à demanda ainda deixa muito a desejar, sobretudo num universo onde o consumidor, habituado a ser bombardeado por promoções de todo o gênero, sofre de um assustador déficit de atenção. Isso, sem contar com a alta rotatividade da própria base de dados de usuários, é difícil assegurar alguma forma de lealdade ou fidelidade. Ali em cima eu escrevi “avaliada” com muita clareza. A sensação que eu tenho é que antigamente se apostava no potencial valor da empresa. Hoje, num mundo de consumismo desenfreado e de crianças adultas com demasiado açúcar no sangue, se aposta na potencial avaliação. E há uma enorme diferença entre avaliação e valor. É a futilidade dos tempos modernos...

quarta-feira, 16 de maio de 2012

E o microcrédito?

Nos últimos tempos não tenho publicado textos porque infelizmente – e felizmente – tenho estado ocupado com um projeto relacionado com o microcrédito. Todos sabem a importância que o tema tem tido para o atual governo. Entre os diversos programas governamentais (Crescer, PNMPO, etc) e a possível formação de um ministério focado nas microempresas, é senso comum chegar à conclusão que o microcrédito é visto como uma das ferramentas mais eficientes para consolidar a saída da linha da pobreza, de grande parte da população.
 
Eu já conhecia um pouco sobre o assunto graças, essencialmente, à experiência do Professor Muhammad Yunus, no Bangladesh. A experiência do Grameen Bank foi fulcral par ao desenvolvimento do microcrédito para o resto do mundo. Ao pesquisar sobre o assunto fui descobrindo experiências fantásticas espalhadas pelo mundo. Por exemplo, descobri a existência do Kiva, uma plataforma que permite que pessoas emprestem dinheiro para financiar micro projetos/ideias/empreendimentos, em toda a parte do mundo, invés de bancos ou empresas. O modelo é simplérrimo e parece funcionar lindamente. Uma solução simples para um problema complexo. E é um efeito positivo da globalização.
 
Pelo que pude avaliar ao pesquisar sobre o assunto, dois pontos me pareceram essenciais para o sucesso do microcrédito: o uso de grupos solidários, onde as pessoas dependem umas das outras para poder usufruir do empréstimo sem garantias ou colaterais. Aqui entra a importância da reputação, da honra. Quem não tiver boa reputação dificilmente arranja alguém para se tornar solidário da dívida, não é? Nesse sentido acaba por ser um sistema de ganha/ganha, pois quem não tem garantias para apresentar usa o “bom nome” como tal, e o banco também dilui o seu risco pelo grupo solidário. O segundo item de importância é a proximidade. Todos os modelos analisados mostram que quem empresta o dinheiro está bem próximo de quem toma, seja para acompanhar os empreendimentos (uma forma de garantir o retorno), seja com modelos de capacitação dos microempreendedores, seja com assessoramento, etc.
 
Pude verificar que “emprestar para pobre é um bom negócio”, extremamente rentável. Uma das conclusões da experiência do Grameen é que os pobres são extremamente bons pagadores, a inadimplência é baixíssima. Uma das razões da baixa inadimplência é o fato dessa população ser ainda muito avessa à formalidade e bancarização, valorizando muito a honra e o “bom nome na praça”. Ironicamente, são conceitos que tendem a desaparecer á medida que conhecemos e integramos a “máquina”, não é? Isso leva a outra análise: em geral, para o público de baixa renda, os juros baixos são muito menos importantes do que o próprio acesso ao crédito. Os produtos normalmente comercializados têm rotação e margens altas. Aliás, é por isso que muitas vezes existem agiotas atuando como pseudo-bancos comunitários, onde não há presença de bancos ou organizações oficiais. Sob esse pretexto, alguns bancos como o Compartamos, no México ou o próprio Grameen Bank em alguns dos seus produtos, trabalham o microcrédito com juros altíssimos, sendo assim alvo de severas criticas de organizações da sociedade civil.
 
Na semana passada fui a Fortaleza visitar o CrediAmigo, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). O microcrédito deles é operacionalizado em parceria com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC). Fora o absoluto sucesso do modelo de negócio em todos os sentidos – geração de credito para população de baixa renda, bancarização parcial, treinamento e capacitação de cerca de 2200 agentes de credito, treinamento e capacitação dos tomadores de crédito, mais de 1 milhão de clientes, etc (acessem o site e vejam os balanços sociais) – o que mais me impressionou foi o entusiasmo das pessoas que trabalham em toda a cadeia produtiva. Mais que o resultado financeiro, que é belíssimo, o que mais parece motivar as pessoas é o efeito que o trabalho delas gera no dia a dia. As mudanças de realidade são visíveis, palpáveis. Muitos dos agentes dizem com orgulho, ser donos de um carro ou de uma moto, estar a estudar, ter ajudado a montar vários micronegócios, e por aí adiante. A viagem me deixou pensativo pois, creio, que foi a primeira vez que vi o setor bancário funcionar numa lógica de ganha/ganha com o seu cliente. Isso é esperançoso, não é?