Na quinta-feira passada, 17 de agosto, aconteceu em Brasília a marcha das Margaridas. O objetivo da marcha é/foi simples: uma ação das mulheres do campo e da floresta para conquistar visibilidade, reconhecimento social e político e cidadania plena. Quem não conhece o movimento pode acessar o link acima ou ainda pesquisar mais sobre o assunto. Que fique apenas aqui registrado que eu apoio totalmente a marcha, assim como qualquer outra manifestação que reivindique direitos básicos de cidadania.
Durante o dia da marcha ouvi e li os comentários mais absurdos sobre ela. Fiquei absolutamente abismado pelo assustador grau de egoísmo que o ser humano é capaz de mostrar. A quantidade de pessoas ao meu redor que falaram em termos insultuosos dessas mulheres que apenas tentam tocar com o dedo o grau de conforto que a grande maioria dos habitantes de grandes metrópoles como Brasília têm, foi impressionante. Sim, claro que a cidade ficou um caos. Sim, claro que um montão de pessoas chegou atrasada ao trabalho. Sim, a cidade ficou suja de panfletos – não ouvi ninguém se queixar quando as campanhas políticas do final do ano passado deixaram a cidade tão suja que na minha rua nem era possível ver o alcatrão da estrada. Sim, claro que muitas pessoas não tiveram um dia produtivo. Sim, claro que a manifestação poderia ter acontecido num lugar onde não incomodasse ninguém ou incomodasse pouco. Sim, foram 70 mil pessoas incomodando quase dois milhões. Sim a tudo isso. Mas infelizmente não é assim que as coisas funcionam.
Vamos por partes.
Durante o dia da marcha ouvi e li os comentários mais absurdos sobre ela. Fiquei absolutamente abismado pelo assustador grau de egoísmo que o ser humano é capaz de mostrar. A quantidade de pessoas ao meu redor que falaram em termos insultuosos dessas mulheres que apenas tentam tocar com o dedo o grau de conforto que a grande maioria dos habitantes de grandes metrópoles como Brasília têm, foi impressionante. Sim, claro que a cidade ficou um caos. Sim, claro que um montão de pessoas chegou atrasada ao trabalho. Sim, a cidade ficou suja de panfletos – não ouvi ninguém se queixar quando as campanhas políticas do final do ano passado deixaram a cidade tão suja que na minha rua nem era possível ver o alcatrão da estrada. Sim, claro que muitas pessoas não tiveram um dia produtivo. Sim, claro que a manifestação poderia ter acontecido num lugar onde não incomodasse ninguém ou incomodasse pouco. Sim, foram 70 mil pessoas incomodando quase dois milhões. Sim a tudo isso. Mas infelizmente não é assim que as coisas funcionam.
Vamos por partes.
- Não é preciso ser diplomado em física quântica para perceber que foi apenas um dia de incomodo, contra décadas de condições precárias. Hoje em Brasília já ninguém se queixa do transito, voltou tudo à normalidade para os citadinos. Já voltamos à rotina dos nossos empregos, academias, cinemas e restaurantes, clubes e esportes. As Margaridas também voltaram para a rotina da vida no campo e na floresta. As coisas mudaram pouco ou nada para incomodantes e incomodantes, mas não tenho nenhuma dúvida de quem dos dois está pior no filme.
- Provavelmente os brasilienses queriam que a marcha/manifestação acontecesse no SMN ou SMS (imaginário Setor de Manifestações Norte ou Sul). Já que em Brasília tudo é arquitetonicamente setorizado, podíamos sugerir a criação desses Setores, preferencialmente numa área afastada da cidade, onde as manifestações pudessem ser levadas sem problemas. Mas se uma manifestação não incomoda, não interrompe a aparente tranquilidade das coisas, ela não provoca discussão. Se ela não provoca discussão, ela não incentiva mudanças. E incentivar mudanças é o objetivo de qualquer manifestação, que a gente concorde ou não com as mudanças que elas sugerem. Lembro que foi com manifestações que incomodaram muito que negros e mulheres obtiveram direito de voto nas sociedades modernas. E por mais que eu não estivesse no Brasil durante o “diretas já”, lembro-me das imagens da região da Sé em São Paulo completamente bloqueada pelo povo. Aposto que muitas pessoas também foram incomodadas nesse dias...
- A marcha foi amplamente e antecipadamente divulgada durante as semanas e dias que antecederam. Todas as rádios avisavam do itinerário da manifestação e aconselhavam itinerários alternativos para os transeuntes. Dizer que foram 2 milhões de pessoas incomodadas é obviamente mais uma declaração profundamente falsa. Quem foi mais incomodado foi quem não prestou atenção ou achou que não iria haver tanta gente. No primeiro caso sinto pena, no segundo penso “bem feito”.
Incomoda-me muito o egoísmo. É algo pessoal. É um sentimento profundamente humano, eu sei. Vem de um instinto de preservação. E incluo-me obviamente nessa visão. Provavelmente não teria abordado este tema de forma tão contundente se a declaração de uma amiga sobre as margaridas não tivesse servido de gatilho para a discussão. O egoísmo é para mim simplesmente sintoma da incapacidade do ser humano se colocar no lugar do outro, sequer por instantes, para tentar entender as razões da atuação do outro, essa coisa profundamente humana chamada empatia. Parece que é um sentimento profundamente e voluntariamente enclausurado.
Ouço diariamente pessoas usarem a palavra Amor com toda a leviandade do mundo. Amam profissões, animais, times ou esportes, até comida ou roupas, mas são incapazes de sentir empatia por um ser humano, uma pessoa que almeja melhores condições de vida. Reconheço que existem casos em que isso é muito difícil de fazer. Penso no nacionalista norueguês que matou 90 pessoas do seu país, por exemplo. Ou de pais que matam os filhos. Mas este caso não é um deles. Haja bom senso...
Como dizia a Rita Lee, os incomodados que se incomodem!